Andres Mann

Tess


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a ponto de conseguirem tocar em pé de igualdade com músicos profissionais. Isso foi possível com a contratação de professores de música, trabalho duro, ensaios intermináveis, o progresso do grupo sendo impelido apenas pela determinação dela.

      Carmen era a soprano do grupo, e estava estudando a partitura de Vocalise, uma breve porém sublime composição de Rachmaninoff. Claudine acabara de chegar de avião, vinda de Paris, e estava afinando seu violino junto com Yasmin, que tocava viola. Alice chegara da Nigéria, trazendo seu violoncelo. Galina Kutuzova, que tocava o segundo violino, estava atrasada. Finalmente, ela tocou a campainha, e Aara, a filha de Tess foi à porta recebê-la.

      Galina era pau para toda obra, não haveria descrição melhor. Uma competente pilota vinda da Rússia, ela se envolvera com as atividades militares da equipe, porém sua função principal era a administração do banco de dados no departamento de informática da empresa. Ela chegou e se aproximou de suas colegas com uma pilha de tablets nas mãos, percebendo que elas pareciam um tanto ressabiadas com o seu atraso. Ao longo dos anos, todas haviam aderido ao fetiche de Tess por pontualidade.

      Galina colocou a pilha numa mesa e voltou para a entrada, onde foi buscar seu violino na caixa. Colocou-o sobre sua cadeira, e postou-se diante das colegas. Trajando seu habitual agasalho esportivo, ela era alta, loira e confiante, parecendo o modelo ideal de uma atleta russa.

      - Desculpem o atraso, mas precisei ir buscar essas coisinhas, preparadas para nós.

      Claudine externou sua impaciência.

      - Se ainda não percebeu, Galina, viemos aqui ensaiar, não jogar em computadores.

      Galina ficou impassível com o comentário de Claudine.

      - Quero lhes perguntar uma coisa. O que é que vocês menos gostam nas nossas apresentações?

      Yasmin colocou a viola de lado.

      - Pensei que todas nós gostássemos de tocar juntas.

      - É verdade. - comentou Galina. – Mas vocês sempre reclamam do peso e do volume das partituras na nossa bagagem, quando tocamos numa série de cidades.

      - Nisso, eu digo amém. – disparou Tess.

      - Mas eu achei uma solução. – disse Galina. – Podem guardar as partituras, e ponham essas maravilhas nas suas estantes.

      Assim que todas o fizeram, Galina disse para apertarem um botão que havia na borda de cada aparelho.

      Tess, Carmen e Aara se aproximaram para ver o que era. Em cada uma das telas apareceu uma partitura, com as diversas partes do Quinteto para Piano e Quarteto de Cordas de Ernest Chausson, que o grupo iria tocar dali a algumas semanas.

      - Que beleza! – comentou Carmen. - Cada uma de vocês tem a sua própria parte. Parece até a partitura de verdade, é do mesmo tamanho.

      Claudine ficou interessada.

      - E como se vira as páginas?

      Galina tirou uns aparelhinhos de uma caixa.

      - É fácil, meninas. Pedais sem fio. É só dar um toque com o pé, e a página vira.

      Aara, a adolescente plugada logo percebeu o impacto do que via à sua frente.

      - Isso é ótimo. Não vão ter mais de carregar aquelas partituras todas. Já estão armazenadas nos tablets.

      - Exatamente. - comentou Galina. - Agora vocês podem acessar todas as partituras que quiserem no tablet. Estão livres da papelada.

      Yasmin viu um problema.

      - Mas eu gosto de fazer anotações nas minhas partituras.

      Galina distribuiu pequenos bastões, parecidos com lápis.

      - Essas canetas eletrônicas vão substituir os seus lápis. Podem até guardar várias versões anotadas da música com cores diferentes.

      - Galina, isto aqui é excelente. - disse Tess. – Vamos usar as partituras em papel hoje, mas estou vendo que estes tablets vão nos ajudar muito na próxima vez.

      Galina, que não conseguia conter o seu orgulho, resolveu ir além.

      - Só para vocês saberem, agora podem baixar qualquer partitura que quiserem, pois incluí uma assinatura que oferece várias coleções acadêmicas com as partituras originais anotadas pelos compositores e mais edições de apresentações de outros instrumentistas. Isso poderá resolver a maioria das dúvidas de interpretação.

      As mulheres aplaudiram Galina, que fez uma breve mesura.

      Naquela noite, as Valquírias tiveram a oportunidade de tocar um concerto junto com uma orquestra de estudantes que, apesar do nome, eram excelentes. Tess empenhara-se muito orientando as mulheres para tocarem uma composição incomum de um compositor americano, Benjamin Lees, seu Concerto para Quarteto de Cordas e Orquestra. Não havia nada para Tess tocar no piano, porém no programa ela constava como a líder do grupo. Ele dedicara muito tempo ajudando as colegas a aprenderem a tocar aquela peça tão complicada, e estava ansiosa para poder se sentar na plateia e apreciar o concerto.

      As quatro entraram no palco, todas vestidas com impressionantes vestidos de noite, emprestados por diversos costureiros. As Valquírias não eram só conhecidas por sua música, mas também pelo figurino. Os puristas desdenhavam essa prática, mas as plateias adoravam prever a moda das belas instrumentistas.

      A orquestra começou a tocar. Depois de um moto perpétuo, o quarteto entrou em solo, com um breve tema desafiante. O violoncelo de Alice fez um breve solo, suave porém agitado. Passagens orquestrais em tutti repetiram o tema das cordas, desta vez com o rufar de tímpanos.

      Tess escutava com atenção, contente ao ver que suas meninas haviam internalizado o espírito da música. O final da obra começava a se descortinar com uma fanfarra de metais seguida de breves notas do quarteto solista, e a música retomava o moto perpétuo inicial. A música levava a plateia numa onda de sons virtuosos, culminando com um acorde final fortíssimo.

      Sentado num camarote, um homem muito bonito e elegante, de uns quarenta anos, e com uma barba cuidadosamente aparada, assistia a tudo com grande interesse. Era a terceira vez que ele comparecia a um concerto das Valquírias.

      A plateia pediu bis, então as mulheres tocaram o Adágio para Cordas de Samuel Barber. Sua execução soberba e sensível daquela música sombria, porém sublime era a comprovação do grande progresso que elas haviam conseguido fazer. Também era a confirmação do esforço que Tess fizera para transformar as instrumentistas num grupo profissional. As Valquírias haviam evoluído muito desde o dia em que haviam começardo, dois anos atrás.

      Agora eram brilhantes, compenetradas, tendo crescido muito em virtuosismo e popularidade, muitas vezes se apresentando com casa lotada. Poucos acreditariam que essas lindas mulheres, no seu trabalho cotidiano, eram guerreiras dedicadas a criar um mundo melhor.

      O

      exército americano estava ajudando governos de países do norte e do oeste da África no combate a grupos extremistas. O apoio incluía inteligência militar, vigilância, reconhecimento e treinamento das forças de infantaria nigerianas.

      Reconhecendo que a Nigéria não teria como comprar modernos caças a jato, cada um custando por volta de 70 milhões de dólares, os americanos sugeriram que comprassem doze Super Tucanos projetados no Brasil e fabricados nos EUA. Esses monomotores turboélice eram comparativamente baratos, fáceis de pilotar, ágeis e perfeitos para operações de ataque aéreo