Oito. Seis. Quatro.
Ceres cerrou os dentes e atirou-se para as costas da besta, enfiando insistentemente os seus dedos no seu pelo eriçado, desesperada para distraí-la do seu irmão.
O omnigato ergueu-se sobre as patas traseiras e abanou a parte superior do seu corpo, empurrando Ceres para trás e para a frente. Mas a sua força de ferro e a sua determinação eram mais fortes do que as tentativas da besta para que ela a largasse.
Quando a criatura se colocou novamente em quatro patas, Ceres aproveitou a oportunidade. Ergueu a sua espada no ar e esfaqueou a besta no pescoço.
O animal guinchou e levantou-se sobre as patas traseiras enquanto a multidão vibrava.
Lançando uma pata na direção de Ceres, a criatura perfurou as suas costas com as garras. Ceres gritou de dor, sentindo as garras como se fossem adagas espetadas na sua carne. O omnigato agarrou-a e atirou-a contra a parede. Ela aterrou a vários pés de distância de Sartes.
"Ceres!", gritou Sartes.
Com os ouvidos a zumbir, Ceres tentou sentar-se, sentido a parte de trás da cabeça a latejar e um líquido quente a escorrer-lhe pelo pescoço. Não havia tempo para avaliar a gravidade do ferimento. O omnigato avançou novamente na sua direção.
Quando a besta se atirou para cima dela, Ceres não tinha opções. Sem sequer pensar, ela instintivamente levantou a palma da mão, estendendo-a para a frente. Era a última coisa que ela pensava ver.
Assim que o omnigato atacou, Ceres sentiu como se uma bola de fogo tivesse sido ateada no seu peito e, de repente, sentiu uma bola de energia a disparar da sua mão.
Em pleno ar, a besta, de repente, enfraqueceu.
Caiu no chão, derrapando até parar em cima das pernas dela. Ainda como que a esperar que o animal voltasse à vida e acabasse com ela, Ceres susteve a respiração ao olhar para ele ali deitado.
Mas a criatura não se movia.
Atordoada, Ceres olhou para a palma da mão. Não tendo visto o que tinha acontecido, a multidão provavelmente pensava que o animal tinha morrido porque ela antes o havia esfaqueado com a sua espada. Mas ela sabia mais. Alguma força misteriosa tinha saído da sua mão e matado o animal num ápice. Que força era aquela? Nunca tinha acontecido nada assim, e ela não sabia bem o que fazer com aquilo
Quem era ela para ter aquele poder?
Com medo, ela deixou a sua mão cair para baixo.
Ela levantou os olhos hesitantes e viu que o estádio tinha-se silenciado.
E ela não conseguia deixar de se questionar. Será que eles também tinham visto aquilo?
CAPÍTULO DOIS
Durante um segundo que parecia não acabar, Ceres sentiu todos os olhos em cima dela enquanto ela permanecia ali sentada, entorpecida pela dor e descrença. Mais do que as repercussões que estavam por vir, ela temia o poder sobrenatural que se escondia dentro de si e que havia matado o omnigato. Mais do que todas as pessoas à sua volta, ela temia enfrentar-se a ela própria – um eu que ela já não conhecia.
De repente, a multidão, atordoada em silêncio, rugiu. Ela demorou algum tempo até perceber que eles estavam a aclamar por ela.
Uma voz interrompeu os rugidos.
"Ceres!", gritou Sartes, ao lado dela. "Estás magoada?"
Ela virou-se para o seu irmão, ainda ali deitado no chão do Stade, também, e abriu a boca. Mas não saiu uma única palavra. Estava sem fôlego e sentia-se tonta. Teria ele visto o que realmente tinha acontecido? Ela não sabia sobre os outros, mas a esta distância, seria praticamente um milagre se ele não tivesse visto.
Ceres ouviu passos e, de repente, duas mãos fortes levantaram-na e puseram-na de pé.
"Vai-te embora agora!", Brennius rosnou, empurrando-a para o portão aberto à sua esquerda.
As feridas nas costas doíam-lhe, mas ela esforçou a voltar à realidade, agarrando Sartes e levantando-o. Juntos, eles lançaram-se em direção à saída, tentando escapar dos aplausos da multidão.
Chegaram rapidamente ao escuro e abafado túnel e, ao fazerem-no, Ceres viu dezenas de lordes de combate lá dentro, esperando pela sua vez por alguns momentos de glória na arena. Alguns estavam sentados nuns bancos em profunda meditação, outros estavam a enrijecer os músculos, contraindo os braços enquanto andavam de um lado para outro e outros estavam a preparar as suas armas para o banho de sangue iminente. Todos eles, tendo acabado de testemunhar a luta, levantaram os olhos e olharam para ela, com curiosidade.
Ceres correu pelos corredores subterrâneos que estavam forrados com tochas dando aos tijolos cinzentos um brilho quente, e passou por todo tipo de armas encostadas nas paredes. Ela tentava ignorar a dor nas costas, mas era difícil fazê-lo quando a cada passo, o material áspero do seu vestido fricionava nas feridas abertas. As garras do omnigato tinham parecido adagas a enfiarem-se, mas agora, com o latejar de cada ferida, ainda parecia pior.
"As tuas costas estão a deitar sangue", disse Sartes, com a voz a tremer.
"Eu vou ficar bem. Precisamos de encontrar Nesos e Rexus. Como é que está o teu braço? "
"A doer."
Quando chegaram à saída, a porta abriu-se e dois soldados do Império estavam ali.
"Sartes!"
Antes de ela conseguir reagir, um soldado agarrou no seu irmão e outro agarrou-a a ela. Não adiantava resistir. O outro soldado balançou-a para cima do seu ombro como se ela fosse um saco de grão, levando-a dali. Temendo ter sido presa, ela batia-lhe nas costas, sem sucesso.
Já fora do Stade, ele atirou-a para o chão. Sartes aterrou ao lado dela. Alguns mirones formaram um semicírculo ao seu redor, de boca aberta, como se famintos pelo derramamento do seu sangue.
"Se entrarem novamente no Stade, serão enforcados", o soldado rosnou.
Os soldados, para sua surpresa, viraram-se sem dizer mais uma palavra e desapareceram de volta para a multidão.
"Ceres!", gritou uma voz profunda por cima do barulho da multidão.
Ceres olhou ficando aliviada ao ver Nesos e Rexus indo na direção de eles. Quando Rexus lançou os seus braços ao redor dela, ela engasgou-se. Ele chegou-se para trás, preocupado.
"Eu vou ficar bem", disse ela.
As multidões saíram do Stade e Ceres e os outros misturaram-se e correram de volta para as ruas, não querendo mais nenhum encontro. Caminhando em direção à Praça do Chafariz, Ceres repetiu na sua mente tudo o que tinha acontecido, ainda a cambalear. Ela notou que os seus irmãos olhavam para os lados e questionou-se sobre o que eles estavam a pensar. Teriam eles testemunhado os seus poderes? Provavelmente não. O omnigato tinha estado muito próximo. No entanto, ao mesmo tempo eles olhavam para ela com um novo sentido de respeito. Mais do que tudo ela queria dizer-lhes o que tinha acontecido. No entanto, ela sabia que não podia. Ela própria não tinha a certeza.
Havia tanta coisa por dizer entre eles, mas agora, no meio daquela imensa multidão, não era o momento de o fazer. Primeiro, eles precisavam de chegar a casa em segurança.
As ruas ficavam muito menos povoadas à medida que eles se afastavam do Stade. Caminhando ao seu lado, Rexus pegou numa das suas mãos e interlaçou os seus dedos nos dela.
"Estou orgulhoso de ti", disse-lhe ele. "Salvaste a vida do teu irmão. Não tenho a certeza de quantas irmãs o fariam."
Ele sorriu, com os olhos cheios de compaixão.
"Essas feridas parecem profundas", observou ele, olhando para as costas dela.
"Eu vou ficar bem", ela murmurou.
Era uma mentira. Ela não tinha de todo a certeza de que fosse ficar bem ou até de que conseguisse chegar a casa. Sentia-se bastante