Daniel realmente queria casar com ela ou o pedido foi algum momento impulsivo, impensado? A realidade de escolher uma data num futuro próximo estava assustando-o? E se ele tomasse a abordagem covarde de retardar o casamento por alguns anos, deixando-a numa espécie de limbo, arrastando noivado pelo máximo de tempo possível, como Jayne havia lhe alertado?
“Emily”, Daniel tentou, enquanto ele e Chantelle se juntavam a ela.
Sentiu as pontas dos dedos dele roçarem sua mão, mas ela se afastou, sem querer ser tocada naquele momento.
Daniel não tentou novamente. Ela o ouviu suspirar. Então, em silêncio, todos entraram novamente na caminhonete.
O humor na volta para casa não podia ser mais diferente do que eles tinham na ida. Era quase como se o ar estivesse permeado de ansiedade. O vestido fofo de Chantelle subitamente parecia uma fachada, como se eles tivessem vestido a menina bem para enganar Laura, para que ela pensasse que eram como qualquer outra família feliz e descomplicada, quando, na verdade, eles eram o oposto. Seus passados – o dela, o de Daniel, até o de Chantelle – complicavam tudo. E, pior que isso, seus passados complicavam suas essências, suas personalidades, suas habilidades de lidar com a pressão e com o estresse, suas habilidades de se relacionarem uns com os outros.
Pela centésima vez desde que ele fez o pedido, Emily se perguntou o que realmente estava se passando na cabeça de Daniel.
CAPÍTULO SEIS
Quando Emily contou a Daniel sobre seu desejo de adotar Chantelle, eles entraram em contato com seu amigo, Richard Goldsmith, um advogado especializado no assunto. Eles haviam tido uma conversa informal na pousada, com café e bolo. Mas, daquela vez, o encontro seria no escritório dele, no centro da cidade. Parecia mais sério e mais real.
Emily alisava nervosamente sua saia enquanto ela e Daniel entravam no escritório chique, que parecia saído de um livro de histórias, localizado num antigo prédio de tijolos vermelhos coberto com hera. Emily se sentiu apreensiva. E se Richard tivesse más notícias? E se ela nunca pudesse se tornar a mãe legal, verdadeira, de Chantelle, como a menina parecia desejar tanto quanto a própria Emily?
A recepcionista, uma jovem de cabelos ruivos, recebeu-os com um sorriso doce e reconfortante.
“O Sr. Goldsmith virá em alguns minutos”, ela disse, sem que eles nem precisassem se apresentar. “Ele só está atendendo outro cliente”.
Emily se encolheu um pouco e mordeu o lábio. Cliente. Parecia estranho pensar nela mesma dessa forma. Mas isso era o que ela era, e o que ela precisa ser, para alcançar seu objetivo. Conseguir a custódia legal de Chantelle não seria possível apenas batendo papo com um conhecido no terraço da casa dela, tomando café. Envolveria advogados e tribunais, juízes e documentação legal. Isso era pra valer e ela precisava se acostumar.
Emily se preparou mentalmente. Ela dava conta. Tinha que dar conta, amava Chantelle demais para falhar, para ceder sob a pressão. Mas havia outra parte de Emily que ainda estava remoendo o fracasso do sábado, quando tentaram visitar um local para o casamento, e ainda se ressentia com a maneira como Daniel havia se fechado à mera sugestão de escolher uma estação para a cerimônia. Se ele mudasse de ideia sobre casar, precisa ter a coragem de dizer a ela antes que as coisas fiquem sérias, antes que os contratos sejam assinados e os corações estejam envolvidos demais para voltar atrás. As palavras de sua mãe e de suas amigas ainda ecoavam na mente de Emily: que Daniel a estava usando “porque queria alguém para criar Chantelle para ele”, que Emily “havia tornado tudo fácil demais para ele”. Ela o havia deixado morar de graça na sua propriedade, havia acolhido sua filha sem questionar, e havia-o perdoado muito rápido por aquelas longas seis semanas durante as quais ele havia priorizado a filha em relação a ela. Mas o que elas não aceitavam ou compreendiam era como todas aquelas coisas faziam com que o amasse ainda mais: sua engenhosidade e resiliência durante os anos em que vivera na antiga garagem, o cuidado que teve pela propriedade durante as décadas em que permaneceu desocupada, mantendo-a relativamente bem cuidada, para o caso de Roy Mitchell retornar, e o fato dele ter assumido Chantelle sem questionar, provando ser um homem de verdade, o tipo que não fugia das próprias responsabilidades, que colocava as necessidades de sua filha acima das suas.
A porta do escritório de Richard se abriu de repente, tirando Emily de seus devaneios. Richard estava de pé na entrada da sala, enquanto apertava a mão de uma mulher pequena e loira, assoando o nariz num lenço. Ela fez Emily imediatamente se lembrar de Sheila. Uma onda de culpa a atingiu.
Não pôde distinguir as palavras apressadas de Richard, mas conseguiu captar seu tom tranquilizador. Então, ele se despediu da mulher e ela passou por eles apressada, dirigindo-se à porta.
Assim que ela se afastou, Richard se virou para Emily e Daniel. “Por favor, entrem”.
“Ela está bem?” Emily perguntou, enquanto o seguiam até o escritório.
Ela estava preocupada com a mulher que ele havia acabado de despedir, mas também queria saber a razão das suas lágrimas. Talvez ela estivesse prestes a entrar uma batalha legal como eles, só que estava do outro lado da moeda, o lado em que estava tendo sua guarda legal revogada. Era justo? Havia feito algo para merecer isso, como usar drogas ou abandonar a criança? Alguém merece isso?
Mas então ela se lembrou de Chantelle. Não, não era justo. Mas não se tratava do que era justo, mas do que era certo.
“Não posso falar sobre isso, sinto muito”, Richard disse, pondo um fim na fantasia descontrolada de Emily. Ele se acomodou em sua grande cadeira de couro e ajustou as pernas da calça de seu elegante terno cinza. “Tenho que ter o mesmo nível de confidencialidade com todos os meus clientes. Tenho certeza que você compreende”.
O desconforto de Emily retornou bruscamente ao ouvir aquela palavra mais uma vez. Cliente. Lembrava-lhe de como era sério aquilo tudo. Estavam pagando por aquele encontro, pela expertise de Richard e pelo seu tempo. Subitamente, tudo havia se tornado muito formal. Emily se perguntou se não deveria ter vindo de terninho.
Daniel parecia igualmente desconfortável ao lado dela. Podia notar pela maneira como ele ficava se mexendo e ajustando os botões da camisa. Ambos estavam muito longe de sua zona de conforto no escritório sofisticado de Richard.
O advogado tirou os óculos e levantou os olhos da papelada em que estava descrito o caso deles. “Há duas opções a considerar aqui. Em parte, é uma questão de semântica, mas existem algumas diferenças cruciais entre os dois caminhos que podemos seguir”.
“Que são...?” Emily perguntou.
“Guarda legal ou adoção”, Richard concluiu. “A guarda legal, basicamente, simplesmente estabeleceria uma relação legal entre Chantelle e Emily, mas não daria fim ao relacionamento legal de Sheila com sua filha. Por outro lado, com a adoção, todos os direitos e obrigações de Sheila em relação a Chantelle cessariam e Emily seria, a partir daí, considerada mãe dela. Em outras palavras, ela seria uma substituta para Sheila em todos os sentidos legais. A adoção busca criar um lar permanente e estável, então, Sheila precisaria abrir mão de seus direitos sobre Chantelle, e compreender que isso seria irrevogável”.
Emily assentiu, absorvendo as palavras dele. Pensou em Chantelle pedindo a ela para prometer que Sheila nunca mais voltaria.
“Chantelle não quer um relacionamento com a mãe”, Emily explicou.
“Mas uma guarda legal seria mais fácil de obter”, Richard contestou, cruzando as mãos sobre a mesa. “Se Sheila não está pronta a abrir mão de seus direitos sobre Chantelle, algo que, pelo que me contaram até agora, ela não quer fazer, teremos que provar que a criança não apenas estaria melhor com vocês, mas que Sheila é incapaz de cuidar dela, e que permitir qualquer contato com a mãe prejudicaria a menina”.
“Ela me disse várias vezes que quer que eu seja sua mãe de verdade”, Emily disse. “Que ela nunca mais quer ver Sheila”.
Daniel parecia desconfortável. “Não acho que seria correto cortar