Barbara Cartland

O Duque Sem Coração


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onde seu pai sempre tinha ficado.

      Quando entrou, chegou a ter impressão de que ia ver a sombra escura do homem que tanto detestara, sentado à escrivaninha, perto da janela que dava para o vale.

      O Duque sempre pensara no pai como uma estátua grotesca, olhando sinistra e ameaçadoramente para as terras que possuía.

      Para seu espanto, a sala estava bem diferente da caverna escura e triste de que ele se lembrava.

      A biblioteca, magnificamente mobiliada, tinha sido projetada por William Adam com simetria e beleza indescritíveis.

      O Duque olhou em redor e achou impossível que a sala fosse daquele mesmo jeito, quando era pequeno, sem que ele tivesse notado sua perfeição.

      Agora as capas de couro coloridas dos livros pareciam emanar uma influência benéfica, afastando a sombra do pai.

      Automaticamente, sem que fosse uma ação consciente, o Duque sentou-se na cadeira que o pai sempre ocupara e convidou Dunblane a sentar-se em frente.

      –Entendi, pela sua carta, que a situação é desesperadora, mas mal posso acreditar que seja verdade– prosseguiu o Duque.

      –É sem dúvida bastante grave, Alteza.

      –Em que sentido?

      –Torquil é prisioneiro dos Kilcraig.

      –Prisioneiro? Mas eles não pretendem encarcerá-lo numa Torre ou numa masmorra indefinidamente– disse o Duque, sem se exaltar.

      –Imagino que as acomodações dele, sejam lá quais forem, não devem ser nada confortáveis– retrucou Dunblane–, mas a alternativa é mandá-lo a Edimburgo, para ser julgado.

      –Ser julgado?– o Duque realmente ficou assustado–, mas sob que acusação?

      –Acusação de roubo de gado, Alteza!

      –Meu Deus!

      O Duque estava perplexo.

      –Estive falando com o Kilcraig e ele me informou que esperava a chegada de Sua Alteza para discutir o assunto, mas diz que não tem a menor dúvida de que Torquil e os companheiros dele, se forem levados a julgamento, serão severamente punidos e na verdade, acha até provável que sejam desterrados!

      O Duque, aturdido, ficou em silêncio.

      Sabia muito bem que as autoridades viam com muita severidade aquele crime e a pena para quem o cometia era bastante pesada.

      A expansão do comércio de carne bovina na Inglaterra e Lowlands incrementara o roubo de gado e o que era conhecido como “taxa de câmbio negro”, cujo pagamento era um velho costume na fronteira e nas Highlands.

      Além do imposto legal sobre a propriedade, pagava-se esse tributo em câmbio negro, que dava direito à proteção e era uma garantia de que os homens do Clã transportariam o gado sem risco de roubo e de que suas propriedades não seriam incendiadas.

      Os infratores não eram mais enforcados como antigamente, mas a justiça não vacilava em deportá-los para as colônias ou mandá-los para a prisão por muito tempo.

      –Mas, por que diabo você foi deixar o rapaz fazer uma loucura dessas?– perguntou o Duque, bravo.

      Dunblane suspirou.

      –Eu conversei muito com seu pai sobre a situação de Torquil, Alteza. Disse a ele várias vezes que o rapaz não tinha muito o que fazer, e era inevitável que se metesse em encrencas.

      Dunblane continuou falando, em tom de quem advoga:

      –Eu sinceramente errei, o que foi apenas uma travessura de rapaz. Os Kilcraig sempre foram nossos inimigos declarados e Torquil achava divertido entrar furtivamente nas terras deles, à noite, para roubar um bezerro, ou, se possível, um animal de primeira qualidade, e trazê-lo para casa, exibindo-o em triunfo.

      O Duque podia entender bem o que Dunblane estava dizendo. Realmente, significaria um triunfo, pois os McNarn odiavam os Kilcraig, há muito tempo, e os Kilcraig odiavam os McNarn.

      Guerreavam entre si há várias gerações e o fato de os Kilcraig, terem gado de boa qualidade era realmente uma tentação.

      Entretanto, o Duque apenas perguntou sucintamente:

      –Como ele foi capturado?

      –Não foi a primeira vez que ele fez essa travessura– disse Dunblane–, mas, infelizmente, eu só fiquei sabendo, quando Kilcraig informou-me de que Torquil, e três rapazes que estavam com ele tinham sido presos.

      –Os boiadeiros devem ter ficado à espreita, não é?

      Dunblane assentiu, balançando a cabeça.

      –E imagino– continuou o Duque–, que eles tenham feito a tolice de ir pelo mesmo caminho e ao mesmo lugar das outras vezes.

      –Era o caminho mais curto– retrucou Dunblane, apenas.

      –Não posso imaginar coisa mais irresponsável, nem mais irritante!– exclamou o Duque–. Acha que Kilcraig vai aceitar alguma justificativa, se eu falar com ele?

      –Ele disse que só negociaria com Sua Alteza.

      O Duque suspirou.

      –Então, acho que não tenho alternativa senão falar com ele…, mas eu lhe digo, Dunblane, que estou tremendamente irritado com isso tudo.

      –Era o que eu imaginava, Alteza. Por outro lado, acho que teria sido mais sensato mandar Torquil para a escola e depois para a Universidade.

      –Mas meu pai não queria saber de sensatez– disse o Duque, com cinismo–, que idade tem Torquil agora?

      –Ele vai fazer dezassete no próximo aniversário. A mesma idade que tinha Sua Alteza quando fugiu de casa.

      O Duque entendeu que a frase era para fazê-lo lembrar-se de que já sentira as mesmas coisas que o rapaz, rebeldia, raiva e determinação de tomar uma atitude.

      –Ele recebeu alguma instrução?

      –Recebeu, Alteza. Seu pai contratou excelentes tutores para ele, mas infelizmente, Torquil achava todos enfadonhos.

      –Não me admiro nem um pouco– disse o Duque–, sei muito bem o tipo de tutores que meu pai deve ter contratado.

      –O que ele precisa, Alteza, é distrair-se e praticar desporto com rapazes da mesma idade e da mesma classe que ele.

      –E esses que foram capturados com ele?

      –São filhos de colonos, rapazes decentes. Alteza, mas, é claro, sem instrução.

      –Isso tudo é um absurdo! Ridículo! Como foram deixar acontecer uma coisa dessas!– esbravejou o Duque, mas, antes mesmo de ter acabado de falar, percebeu que estava sendo injusto.

      Sabia que Dunblane tinha feito o máximo por Torquil, como tinha feito por ele, mas, diante da obstinação do pai, qualquer sugestão ou conselho já era de antemão inútil.

      –Bem, o que vamos fazer, então? – perguntou ele, mais calmo.

      –Tentei marcar um encontro entre Kilcraig e Sua Alteza, para amanhã, mas ele diz que não vem aqui de jeito algum.

      –Quer dizer que eu é que tenho de procurá-lo?

      –Pode parecer uma perda de prestígio, Alteza, mas é que ele tem o trunfo nas mãos.

      –Torquil?– murmurou o Duque .

      –Exatamente!

      –Pois bem, eu irei, mas previno-o, Dunblane, se Kilcraig começar a dificultar muito, Torquil que vá para o inferno!

      O Duque falou com violência, mas sabia que era inútil ficar brigando com argumentos imaginários. Era preciso enfrentar a situação com dados reais. A luta estava apenas começando.

      Seria impossível permitir que seu sobrinho e herdeiro,