sobre uma mesa.
—Não é trabalho. Nossa cozinheira preparou tudo isto. Ela é idosa e não sai da cozinha. Seu marido é nosso mordomo e foi até o bosque para ver se há coelhos nas armadilhas que deixou montadas. Se não houver, nosso jantar será bem pobre esta noite! Felizmente podemos contar com legumes e verduras da horta e frutas do pomar— Rania falou com simplicidade.
—A situação é tão aflitiva assim?— Charles perguntou, penalizado.
—Pior do que você possa imaginar.
—Você não mora aqui sozinha, naturalmente.
—Não— Rania sacudiu a cabeça—, meu irmão esteve na guerra mas voltou para casa faz um ano.
—Ele está no campo?
—Sim. Saiu para cavalgar. É a última vez que… monta Dragonfly.
Os grandes olhos azuis de Rania encheram-se de lágrimas e ela enxugou-as com um lenço.
— Desculpe-me… sou uma tola. Eu não devia comportar-me… assim.
Ela pareceu a Charles tão frágil e patética. Deixando a sua cadeira ele sentou-se no sofá do lado de Rania.
—Diga-me o que está acontecendo— pediu—, corta-me o coração ver uma linda garota chorando.
—Eu... não devia chorar… diante de… um visitante.
—Você não pôde evitar as lágrimas— disse Charles com imensa bondade— vamos, conte-me por que seu irmão está montando Dragonfly pela última vez.
—Porque… nosso cavalo será vendido… amanhã. Você deve ter notado que estamos… com grandes dificuldades… financeiras. Dragonfly é um cavalo de raça e com sua venda teremos o suficiente para sobreviver algum tempo e para... pagar o salário dos empregados… que está atrasado… três meses.
A voz de Rania ficou embargada e ela irrompeu em lágrimas.
Parecendo irritada com aquela demonstração de fraqueza ela enxugou o rosto com força e respirou fundo para se controlar.
—Vocês devem estar com dificuldades financeiras por causa da guerra, imagino. Seu irmão foi soldado, não?
—Foi oficial e lutou com bravura. Mas… para quê? Agora voltou para... isto!
Novamente Rania respirou fundo.
—Meu irmão é sir Harold Temple.
—Harold Temple! Harry! Claro… eu conheço seu irmão! Estudamos juntos em Eton e morávamos no mesmo edifício. Desde que cheguei a esta casa achei que já havia estado aqui. Isso foi há muito tempo. Lembro-me de que Harry chamava a irmã de Nia!
—Nia é meu apelido. Bem, se você foi colega de Harry e já esteve aqui, nos conhecemos quando eu era garotinha e você um rapazinho!— Rania exclamou, surpresa.
—Harry e eu fomos colegas e grandes amigos. Pertencíamos às mesmas equipes de críquete e remo.
—Oh, meu irmão ficará muito feliz em revê-lo. Você nem imagina como Harry tem estado aborrecido. Nunca lhe passou pela cabeça que ao voltar da guerra encontrasse a propriedade… praticamente arruinada— Rania tentou sufocar um soluço—, não temos meios de pagar homens para cuidar das terras.
Tal situação era comum no campo após a guerra. Charles sabia disso.
A safra no ano anterior fora péssima e os fazendeiros que não ficaram arruinados estavam fazendo os maiores sacrifícios para sobreviver e manter seus compromissos.
Para piorar a crise, o governo passara a importar gêneros alimentícios mais baratos, de modo que não havia mercado para o que era colhido no país.
Pensando em distrair Rania, Charles comentou:
—Este também está sendo um dia péssimo para mim. Enquanto conduzia meu faetonte eu me questionava se devia voltar para Londres ou se ficaria mais tranqüilo escondido no campo.
Rania enxugou o rosto novamente.
—Queria esconder-se? Por quê?— perguntou.
—Bem, todos nós temos nossos altos e baixos. Ainda há pouco sofri uma grande choque.
—Conte-me o que aconteceu— pediu Rania, demonstrando interesse na história de Charles.
—Imaginei que uma garota estivesse apaixonada por mim e a pedi em casamento. Ela recusou meu pedido e disse que ia ficar noiva de um Marquês feio e desagradável só porque ele iria tomar-se um Duque— Charles revelou.
—Oh, que decepção a sua!
—Senti-me como se tivesse sido nocauteado.
—Sem dúvida, foi um golpe e tanto. Mas você deve considerar-se um homem de sorte por não desposar essa garota. Seria pior se descobrisse seu verdadeiro caráter depois de casado— Rania ponderou.
—É disso que estou tentando me convencer— Charles fez uma pausa. Pouco depois continuou—, como já disse, fiquei indeciso quanto a voltar para Londres e suportar a piedade dos amigos e o riso escamecedor dos inimigos ou refugiar-me no campo até que ninguém se lembre da minha existência.
—Sei que não será fácil, mas você deve ser corajoso. Se rirem de você, ria também— Rania aconselhou.
—Quando o noivado dessa minha ex-namorada for anunciado, farei papel de idiota. Será horrível— Charles desabafou.
—Sinto muito por você. Porém, acaba de me ocorrer uma ideia. Se for possível, anuncie seu noivado com outra moça antes que o Marquês anuncie o dele— Rania sugeriu.
A sugestão fez com que Charles encarasse Rania com expressão de espanto.
—Anunciar meu noivado?!— repetiu—, com quem?
—A julgar por sua aparência, aqueles magníficos cavalos e seu luxuoso faetonte, deve haver dezenas de moças que ficarão exultantes se você as pedir em casamento. Sem dúvida elas o amarão por você mesmo e não por um título.
—Duvido. Cheguei à conclusão de que toda mulher em Londres só dirá "sim" ao aristocrata que tiver o título de nobreza mais elevado. E quem sou eu? Muitos caçoam de mim e até me apelidaram de o “Nunca-nunca-nobre”.
—Por que lhe puseram tal apelido?
—Porque sou o herdeiro presuntivo de meu tio, o Conde de Lyndonmore. Ele esteve muito doente mas se restabeleceu e não pensa em morrer tão cedo.
—Oh, você não pode desejar a morte de seu tio apenas para arranjar uma esposa— observou Rania, rindo.
—Claro que não! Gosto muito de tio Edmund e não dou tanta importância a um título de nobreza. Eu estava brincando.
—Quanto a anunciar seu noivado, você não conhece alguma moça que concorde em fazer o papel de sua noiva durante dois ou três meses? Depois disso vocês romperiam o compromisso.
Desse modo você estaria se vingando dessa garota que o fez de tolo.
—Entendo seu raciocínio— disse Charles devagar—, se eu anunciar meu noivado imediatamente todos irão acreditar que a minha ex-namorada, por despeito e por me perder, aceitou o pedido de casamento do Marquês.
—Exatamente. Então? Aceita a minha ideia? Você não tem uma prima ou amiga que concorde em fazer o papel de sua noiva? Deve ser uma pessoa de inteira confiança, lembre-se disso.
—O problema é que não confio em mulher alguma. Pelo menos não em Londres. Todas elas fariam comentários; não guardariam segredo.
—Bem, não sei… nunca estive em Londres, portanto não posso ser boa juíza.
—Suponho que seja possível eu pagar uma mulher para fazer o papel de minha noiva— Charles estava pensando em alguma atriz