margens do rio Madeira, não na confluência do rio Negro e da Amazônia, como ela realmente é. E Alichapon-Tupec estava marcada vinte e cinco quilômetros a jusante da junção dos dois rios. Se isso fosse verdade, deveríamos ter passado por Alichapon-tupec no dia anterior enquanto viajávamos rio acima no barco, o que não aconteceu; por isso minha pergunta para a jovem do cais.
Eu queria localizar a vila o mais rápido possível, para que Kaitlin pudesse coletar suas amostras de plantas, aprender o uso medicinal das folhas, e poderíamos estar voltando para o Rio de Janeiro. Se perdemos o Borboleta quando partisse para Lisboa, ficaríamos várias semanas à procura de outro transporte.
Entreguei meu mapa para a mulher, que desenrolou e estudou com grande interesse, enquanto eu observava o rosto dela passar por uma progressão de caretas, beicinhos e sobrancelhas franzidas. Meus olhos começaram a vagar, e a National Geographic Magazine veio à mente. Quando eu era criança, a única maneira de ver os seios nus de uma mulher era na biblioteca, na seção de arquivos da revista, onde anos e anos daquelas revistas de capa amarela eram armazenados.
– Bem, senhor Saxon Lostasia – dizia a bibliotecária enquanto eu tentava passar por ela enquanto saía da biblioteca.
– Estamos explorando um pouco hoje, não é?
Ela então sorria e piscava um olho enquanto eu corria para a porta. A senhorita Pentava parecia velha para mim, mas não podia ter mais de vinte e cinco anos.
Essa mulher sob meus olhos de agora seria uma ótima garota de revista, mas não uma bibliotecária muito boa.
Levei meus olhos de volta para o mapa, o tirei das mãos dela e virei com o lado direito para cima devolvendo-o. Mais uma vez, depois de um olhar de soslaio para mim, seu rosto realizou um exercício quase idêntico de expressões como antes.
Inacreditável, pensei. Ela deve estar memorizando a coisa toda; primeiro da perspectiva do sul, e agora do norte! Memória fotográfica, provavelmente.
Atrás de mim, ouvi um cachorro latindo e pude ver Rachel e Hero correndo em nossa direção. A mudança que ocorreu com a mulher quando a criança e o cachorro chegaram até ela foi surpreendente.
Capítulo Dois
Quando a jovem se ajoelhou para se elevar ao nível de Rachel, seu rosto parecia tão altivo e cativante quanto o da criança. O rosto sério e pensativo de adulta foi sumindo completamente e ficando aparentemente esquecido. Eu pensei que ela era linda antes, mas agora, estava ensolarada, envolvente, quase angelical.
–Oi.– Disse Rachel.
A jovem sorriu para Rachel e tocou Hero com a mão, o que o levou a cair no cais, rolar de costas e expor sua barriga para ser esfregada. A mulher riu e agradeceu alegremente.
– O que aconteceu com a sua perna? – Rachel perguntou em português enquanto se ajoelhava e ajudava a colocar Hero em estado de êxtase.
A mulher sorriu para Rachel, balançou a cabeça e deu de ombros. Rachel tentou a mesma pergunta em francês, mas a mulher ainda não entendia. Destemida, a garota usava língua de sinais. A mulher fez sinais para ela.
Eles estavam tendo uma conversa silenciosa, mas eu não tinha ideia do que estavam dizendo.
Kaitlin se juntou a nós e eu vi a sobrancelha direita da minha irmã subir, com um pequeno sorriso curvando seus lábios enquanto me olhava. Talvez a marca vermelha de uma mão ainda estivesse visível na minha bochecha.
Quando a jovem se levantou, desta vez não pegando minha mão para obter assistência, sua expressão mudou mais uma vez. Ela estava bastante triste quando olhou da minha irmã para mim e de volta para Kaitlin.
–Essa é minha mãe. —Disse Rachel, voltando ao português, o idioma mais confortável entre nós três.
Kaitlin era uma cópia maior de Rachel; cachos loiros, olhos cinzentos, esbeltas. Suponho que alguém possa descrever minha irmã como bem definida, mas em suas calças cargo, blusa cambraia folgada, bolsos cheios de canetas, lápis, blocos de notas, repelente de insetos e uma lupa, era difícil perceber sua silhueta.
A jovem olhou para Rachel e com uma expressão interrogativa disse algo para ela.
–Mãe. —Explicou Rachel.
A mulher franziu as sobrancelhas, obviamente sem entender.
–O nome dela é Kaitlin – disse Rachel – minha mãe. Ela juntou os braços, balançou-os no berço e apontou para si mesma.
Isso me fez sorrir. Muitas vezes no passado, nós três colidimos com a barreira do idioma. Alguns meses antes, na cidade de Antalaha, em Madagascar, estávamos tentando comprar em um movimentado mercado de carne. Depois de dez minutos usando todas as palavras e gestos que conhecíamos, Rachel mugiu como uma vaca. Isso deixou todos na loja em um silêncio atordoado enquanto olhavam para a garotinha fazendo sons estranhos. O rosto do açougueiro se iluminou enquanto respondia com algumas palavras em seu idioma, mugindo como uma vaca também logo em seguida. Seus clientes começaram a rir e vários deles vieram ao nosso auxílio com sugestões sobre vários cortes de carne que poderíamos gostar. O açougueiro feliz trouxe bifes, carne moída e peito para nossa inspeção.
A jovem notou minha expressão divertida e me deu um olhar severo.
– Ele é meu tio Saxon – disse Rachel, indicando-me. – Meu nome é Rachel – disse ela, colocando a mão no peito. – E este é o Hero – disse enquanto se ajoelhava ao lado do cachorro.
A mulher também se ajoelhou, seu rosto se iluminando um pouco. Ela então apontou para Hero erguendo as sobrancelhas.
– Hero – disse Rachel.
– Hero? – a mulher perguntou, e o cachorro ficou instantaneamente de pé lambendo o seu rosto. —Hero! – ela disse novamente rindo, depois deu um tapinha no ombro de Rachel e olhou para ela.
– Rachel – disse Rachel.
– Rabel – disse a mulher.
– Não – disse Rachel – Ra-CHEL.
– Ah! – disse ela – Ra-CHEL.
Rachel assentiu vigorosamente enquanto a mulher se levantava para dar um tapinha no ombro de Kaitlin, enquanto olhava para a garota.
– Mãe
– Não, para você ela é Kaitlin – Rachel disse —O nome dela é Kaitlin.
A mulher entendeu logo depois de algumas tentativas. Minha irmã largou a mochila na doca e estendeu a mão, e as duas apertaram. A mulher então olhou para mim, mas não me tocou.
– Esse é o meu tio Saxon – disse Rachel.
– Vio Sacton – disse ela.
Rachel riu.
–Tio Saxon – disse ela – mas você deveria chamá-lo de Saxon.
– Tio Saxon – disse ela – Tio Saxon.
– Qual o seu nome? – Kaitlin perguntou, dando um toque no ombro da mulher.
Ela falou uma frase com uma palavra no final que parecia "Scee-amn".
Ela repetiu a palavra.
–Cian? —Kaitlin disse.
Ela sorriu e disse novamente.
Tive a impressão, não sei porquê, que ela não entendia o nosso relacionamento; Kaitlin e eu sendo irmãos, em vez de marido e mulher. Mas, de que importava?
Eu me virei para minha irmã.
–Tenho certeza – eu disse – que Alichapon-tupec não pode ser mais longe que um ou dois dias daqui. Nossos suprimentos devem ser mais do que suficientes até lá.
–Você acha? – Kaitlin me deu um olhar que eu já tinha visto antes; duvidosa da