pela cicatriz que ia desde uma das maçãs do rosto até à comissura da boca, que nunca sorria.
– Estava a utilizar uma velha máquina de escrever, menina Lloyd. No entanto, agora os meus editores pediram-me para entregar os manuscritos em disquete. Poderá tratar disso?
Ela anuíra.
– Bom, quanto ao trabalho doméstico, a menina é quem decidirá que ajuda é que vai precisar. Suponho que irá precisar de alguém que venha diariamente limpar a casa, mas o primordial é que eu tenha paz e sossego enquanto escrevo. Também é fundamental que não seja incomodado por ninguém.
Miles Hunter fizera uma pausa antes de acrescentar:
– Sei que vai ser difícil para si, no fim de contas, morou em Silvertrees toda a sua vida e está habituada a fazer o que quer e receio que isso não vá ser possível.
– Não. Compreendo – replicara Chessie.
Fez-se outro breve silêncio.
– Talvez não queira aceitar este emprego, no entanto, o seu advogado é da opinião de que isto nos evitaria problemas aos dois.
Os olhos azuis do homem contrastavam com o profundo bronzeado do seu rosto magro.
– Então, o que é que acha, menina Lloyd? Está disposta a sacrificar o seu orgulho e aceitar a minha proposta?
Ela mostrou-se indiferente perante o ligeiro tom de troça do homem.
– Neste momento, e com uma irmã a meu cargo, o orgulho é um luxo que não me posso permitir, senhor Hunter. Agradeço e aceito a sua oferta na qual está incluída a casa para morar – fez uma pausa. – Vamos tentar não incomodar.
– Não se limite a tentar, menina Lloyd, faça-o – Miles Hunter agarrou nos papéis que estavam em cima da mesa, indicando com um gesto que a entrevista acabara.
Quando ela se levantou, Miles Hunter acrescentara:
– Vou falar com os meus advogados para que façam a redacção do contrato de trabalho.
– Isso é necessário? Não podemos ter um acordo… de palavra?
– Não sou um homem de palavra, menina Lloyd – comentara ele. – E tendo em conta as circunstâncias em que se encontra, também não tenho a certeza de que a menina o seja. Será melhor ter tudo por escrito, não lhe parece?
E assim fora. A sua irmã e ela ocupavam o andar da antiga governanta, pagando um aluguer mínimo, enquanto trabalhava para Miles Hunter.
Naquela altura, desesperada como estava, com pena e com a culpa que sentia pela morte do seu pai, parecera-lhe a melhor solução.
Agora, no entanto, perguntava-se se não deveria ter rejeitado a oferta e ter-se afastado dali.
No entanto, aquilo significara uma escola nova para Jenny, justamente antes dos exames importantes, e ela não tinha querido criar mais problemas na vida da sua irmã.
No início, parecera-lhe que tinha valido a pena: Jenny estava a ir bem na escola e ela tinha a esperança de que mais tarde pudesse ir à universidade. Tinham-lhe dado uma bolsa de estudo, mas, no entanto, isso significava gastos extras.
Por esse motivo, Chessie via-se obrigada a passar os romances policiais de Miles Hunter a computador durante mais uns anos e tomar conta da casa dele.
Não era uma tarefa fácil. Tal como suspeitara no início, não era fácil trabalhar para aquele homem. No entanto, fora da sua jornada laboral, ela mantivera-se escrupulosamente no seu território, mas Jenny não fizera o mesmo.
A sua irmã deixara bem claro que considerava o novo dono da casa como um intruso e que a casa continuava a pertencer-lhe, o que ocasionara algumas vezes sérios problemas.
Chessie levantou-se da cadeira e aproximou-se da janela. De repente, sentia-se inquieta.
Jenny, às vezes, mostrava-se muito intolerante. A queda em desgraça do seu pai e o seu falecimento tinham-na traumatizado, mas isso já não era uma desculpa válida. A sua irmã mais nova não queria aceitar a perda da sua cómoda vida anterior.
Jenny queria que tudo voltasse a ser como antes… mas isso era impossível.
«Eu aceitei», pensou Chessie, com tristeza. «Porque é que ela não o pode fazer?».
Agora, para piorar a situação, parecia que Alastair iria voltar para casa e Jenny tomara isso como a solução para o seu problema e o meio para voltar à sua antiga vida.
Chessie suspirou. O que é que ela daria para ser tão nova e optimista como a sua irmã!
Como fora no passado, quando ela e Alastair namoravam e achavam que o mundo era deles.
Alastair fora o seu primeiro amor, um amor idílico, com passeios no Verão: nadar e jogar ténis e ir ver Alastair a jogar cricket. Um amor cheio de beijos, murmúrios e promessas.
Alastair desejara-a, mas nem sequer agora sabia qual era o verdadeiro motivo pelo qual se contivera.
– Qualquer homem seria capaz de dizer fosse o que fosse para te levar para a cama, querida – dissera Linnet, com a sua voz profunda e rouca. – Não o tornes fácil para ele.
Naquela altura, ela sentira desprezo ao ouvir aquelas palavras, no entanto, não as esquecera, como não esquecera muitas das coisas que Linnet dissera ou fizera.
E, se realmente voltassem a abrir a casa, Linnet também voltaria.
De certa maneira, tinha sido Linnet quem no início os juntara, a ela e a Alastair.
Sir Robert Markham, tal como o pai dela, era viúvo há alguns anos. E todos pensavam que se alguma vez voltasse a casar seria com Gail Travis, a directora do canil local e a sua acompanhante durante os últimos anos.
Mas uma noite, numa festa de caridade, conhecera Linnet Arthur, uma actriz que ganhava a vida a trabalhar como modelo e que também participava em concursos de televisão. Linnet, com o seu cabelo louro, dentes perfeitos e longas pernas, era muito chamativa. E, desde aquela altura, a senhora Travis passara à história.
Depois de um breve noivado, Sir Robert casara com Linnet e levara-a a morar consigo.
Dera uma festa no jardim da mansão para a apresentar e Chessie encontrara Alastair sentado sob uma árvore, ao lado do rio.
– Lamento muito, Alastair.
Ele olhara para ela, com os seus olhos castanhos.
Alastair, de cabelo castanho, extraordinariamente bem parecido e com mais de um metro e oitenta de estatura, tinha sido sempre o seu Deus.
– Como é que ele se atreveu a fazer isto! – exclamara ele. – Como se atreveu a colocar esta boneca no lugar da minha mãe?
Desde aquela altura, os dois tinham começado a chamar Linnet de: «A Bruxa da Madrasta» e tinham passado horas a criticá-la.
– Graças a Deus que vou para a universidade – declarara Alastair, um dia, com resignação trocista. – E, se o puder evitar, não voltarei nas férias.
Não voltaram a ver-se senão passados três anos, mas depois do reencontro tinham-se tornado inseparáveis. Ela tinha acabado o bacharelato e ia começar a trabalhar com o seu pai no fim do Verão, como a sua secretária particular.
Supusera que Alastair faria o mesmo na empresa electrónica do seu pai.
Naquele Verão, Chessie passava muito tempo na casa dele, onde Linnet convencera o seu marido a construir uma piscina.
– Olá – declarara Linnet, um dia, quando se tinham encontrado na piscina. – Então, tu é que és a namorada de Ally deste Verão, não é verdade?
Chessie mordera os lábios.
– Bom dia, Lady Markham – replicara ela, educadamente.
– Por favor, trata-me por Linnet – declarara