Sara Craven

Mais do que uma dúvida


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      Ela continuou a olhar para ele.

      – Comes todos os dias, não é? – inquiriu ele, finalmente.

      – Sim, mas…

      – Mas o quê?

      – É muito amável da sua parte convidar-me, mas não me parece apropriado. No fundo, isto é uma aldeia.

      – Pedi-te para ires jantar fora comigo, não te pedi que fosses para a cama comigo – replicou ele, com paciência. – Se quiseres, ponho um panfleto na porta da igreja a explicar o motivo do jantar.

      Chessie ruborizou-se

      – Pode achar provinciano, mas consegui deixar bem claro à povoação que a nossa relação é estritamente profissional, algo muito importante, dado que moramos sob o mesmo tecto. Se nos vissem a jantar juntos, as pessoas pensariam que a relação tinha mudado e isso tornaria a situação incómoda para os dois.

      «E eu já tive que suportar todo o tipo de boatos ao viver um escândalo na minha família», pensou ela. «E não quero que isso volte a acontecer».

      – Eu não me envergonho com facilidade – declarou ele, sem lhe dar importância. – Mas se quiseres posso chamar um pedreiro para fechar a porta de comunicação do teu andar com o resto da casa. Isso acabaria com os boatos.

      – Estou a falar a sério – protestou ela.

      – E eu, para variar, estou a tentar ser frívolo, mas sem o conseguir. Não podes considerar o convite como uma expressão de gratidão? E, para além disso, estás muito magra, não te faria mal comer bem de vez em quando.

      – Obrigada – respondeu Chessie. – Mas não penso que…

      – É isso mesmo, não penses – interrompeu-a Miles. – Actua impulsivamente, embora só seja por uma vez. Por amor de Deus, é só um jantar. Ou desagrada-te tanto assim a minha aparência física? Porque te asseguro que as piores cicatrizes não estão à vista.

      – Não! – o rubor de Chessie intensificou-se. – Não tem o direito de insinuar uma coisa dessas.

      – Acontece muitas vezes – comentou ele. – Vivia com uma mulher quando sofri o acidente. Tínhamos falado em casar, no entanto, quando saí do hospital e ela me viu nu, decidiu que não queria saber mais nada de mim. Só estou a afirmar um facto, não estou a implorar compaixão.

      – Eu sei. Deixou-me muito claro que a última coisa que quer é que sinta compaixão por si – Chessie hesitou. – Está bem, vou jantar consigo… se é isso que quer.

      – Obrigado – replicou ele, em voz baixa. – Serias capaz de quebrar outra regra e tratar-me por tu? O meu nome é Miles.

      Chessie, de repente, sentiu-se confusa. Aquilo não era apropriado e devia pôr um ponto final na situação.

      No entanto, ouviu-se a si mesma responder:

      – Está bem, Miles.

      Ele anuiu, seriamente.

      – Bom, vejo-te lá em baixo, no carro, às oito.

      Miles dirigiu-se a coxear para a porta que dava para o seu estúdio e fechou-a atrás de si.

      Chessie, com olhar perdido, fitou o monitor.

      «Aceitei jantar com Miles Hunter? – inquiriu-se, com incredulidade.

      Capítulo 2

      – O ogro convidou-te para jantar? – inquiriu Jenny, surpreendida. – E tu aceitaste? Meu Deus, Chessie, deves estar doida!

      Chessie encolheu os ombros com um gesto defensivo.

      – Não percebo porquê. Hoje teve um bom dia e apeteceu-lhe celebrar.

      – Não me digas que inventaram uma máscara para ele – comentou, trocista.

      Chessie ficou a olhar para a sua irmã com uma expressão de perplexidade.

      – Como é que podes dizer uma coisa dessas? Miles é o meu patrão e estamos em dívida para com ele, no entanto, não és capaz de mostrar-te agradecida.

      – Estamos em dívida para com ele? – o rosto de Jenny ficou vermelho. – O que é que lhe devemos? Tirou-nos a casa e trata-nos como empregadas.

      – A sério? – inquiriu Chessie. – Não tenho visto nenhum servilismo da tua parte. E se Miles não tivesse comprado a casa, outra pessoa o teria feito e nós teríamos ficado na rua. Não podíamos ficar com a casa, quando é que vais compreender isso?

      Jenny fitou-a furiosa.

      – Poderíamos ter feito qualquer coisa. No outro dia, na televisão, vi um programa sobre casas de campo transformadas em hotéis. Era uma boa ideia. Poderíamos ter feito isso com a nossa casa.

      – Sim, talvez dentro de vinte anos, mas os credores do pai não estavam dispostos a esperar todo esse tempo.

      – Continuo a pensar que o poderíamos ter feito – insistiu Jenny, com teimosia.

      Chessie, de repente, não soube se rir ou chorar. Era extraordinária a maneira como Jenny, que era tão inteligente nos estudos, tinha tão pouco sentido da realidade.

      – E outra coisa, se vais sair para jantar fora esta noite, importavas-te de me dizer o que é que eu vou jantar? Aposto que o ogro não me convidou a mim.

      – Não, não te convidou – replicou Chessie. – Mas não te preocupes que não vais morrer de fome. Há estufado de frango no frigorífico e a única coisa que tens que fazer é aquecê-lo no microondas.

      – Isso não se pode comparar a um jantar fora – replicou Jenny, fazendo uma careta. – E mais uma coisa, desde quando é que o ogro é «Miles»? Pensei que fosse: «o senhor Hunter isto» e «o senhor Hunter aquilo».

      – E talvez volte a sê-lo amanhã – replicou Chessie, com calma. – Isto é só um jantar e mais nada.

      «Quantas vezes terei de o repetir para me convencer?», interrogou-se Chessie, enquanto examinava o seu escasso guarda-roupa.

      A maioria das suas roupas entrava em duas categorias: a roupa de trabalho elegante e a roupa de trabalho quotidiana. Por fim, optou por uma saia preta lisa e uma blusa de cor creme. Os brincos dourados e um fio dourado no pescoço fizeram com que parecesse mais elegante.

      Chessie tinha vinte e poucos anos, mas sentia-se uma anciã. Tinha rugas de preocupação na testa e a curva dos seus lábios já não tinha a frescura da juventude.

      Normalmente, levava o seu cabelo castanho dourado apanhado num rabo-de-cavalo, mas desta vez decidiu deixá-lo solto. Pintou os lábios e colocou um pouco de cor no rosto. Como toque final, agarrou no seu frasco de L’Air du Temps e deitou umas gotas nos pulsos e no pescoço: «quando acabar não terei outro» e fechou o frasco com cuidado.

      O salário que Miles pagava era bom, mas não sobrava para luxos como o perfume.

      Jenny ganhara uma bolsa de estudo para estudar na escola da povoação vizinha. Por isso, ela não tinha que pagar as mensalidades. No entanto, tinha outros gastos, como o equipamento desportivo e a farda da escola. A farda era um pesadelo, tendo em conta como Jenny crescia rapidamente.

      Chessie colocou-se diante do espelho e olhou-se com uma atitude crítica.

      Parecia o género de rapariga que um escritor famoso convidava para jantar? A resposta era negativa e perguntou-se porque é que Miles não teria arranjado uma companheira mais apropriada.

      Porque para além dos comentários cruéis de Jenny, não duvidava das atracções de Miles Hunter, apesar da cicatriz do seu rosto. E Chessie perguntou a si mesma por que é que não tinha percebido isso antes.

      Pensou na mulher que o tinha deixado ao ver as suas cicatrizes. Estaria amargurado por causa disso? Continuaria apaixonado por aquela mulher que