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O Autor
Augusto dos Anjos nasceu no Engenho Pau d'Arco, atualmente no município de Sapé, Estado da Paraíba. Foi educado nas primeiras letras pelo pai e estudou no Liceu Paraibano, onde viria a ser professor em 1908. Precoce poeta brasileiro, compôs os primeiros versos aos sete anos de idade.
Em 1903, ingressou no curso de Direito na Faculdade de Direito do Recife, bacharelando-se em 1907. Em 1910 casa-se com Ester Fialho. Seu contato com a leitura, influenciaria muito na construção de sua dialética poética e visão de mundo.
Com a obra de Herbert Spencer1, teria aprendido a incapacidade de se conhecer a essência das coisas e compreendido a evolução da natureza e da humanidade. De Ernst Haeckel2, teria absorvido o conceito da monera como princípio da vida, e de que a morte e a vida são um puro fato químico. Arthur Schopenhauer3 o teria inspirado a perceber que o aniquilamento da vontade própria seria a única saída para o ser humano. E da Bíblia ao qual, também, não contestava sua essência espiritualística, usando-a para contrapor, de forma poeticamente agressiva, os pensamentos remanescentes, em principal os ideais iluministas/materialistas que, endeusando-se, se emergiam na sua época.
Essa filosofia, fora do contexto europeu em que nascera, para Augusto dos Anjos seria a demonstração da realidade que via ao seu redor, com a crise de um modo de produção pré-materialista, proprietários falindo e ex-escravos na miséria. O mundo seria representado por ele, então, como repleto dessa tragédia, cada ser vivenciando-a no nascimento e na morte. Augusto nega a religião como algo que possa explicar o mundo, sua poesia é composta por muitas ironias contra o cristianismo e a religião de uma forma geral, embora em sua cidade natal, Engenho do Pau D’Arco, o escritor conduzia reuniões mediúnicas e psicografava.
Dedicou-se ao magistério, transferindo-se para o Rio de Janeiro, onde foi professor em vários estabelecimentos de ensino. Faleceu em 12 de novembro de 1914, às 4 horas da madrugada, aos 30 anos, em Leopoldina, Minas Gerais, onde era diretor de um grupo escolar. A causa de sua morte foi a pneumonia. Na casa em que residiu durante seus últimos meses de vida funciona hoje o Museu Espaço dos Anjos.
Durante sua vida, publicou vários poemas em periódicos, o primeiro, Saudade, em 1900. Em 1912, publicou seu livro único de poemas, Eu. Após sua morte, seu amigo Órris Soares organizaria uma edição chamada Eu e Outras Poesias, incluindo poemas até então não publicados pelo autor.
A poesia e a poética de Augusto dos Anjos
Por Pereira da Silva4
Correspondendo a gentileza do Sr. Augusto dos Anjos, que se lembrou de meu humilde nome, oferecendo-me um exemplar do seu livro ―Eu‖, não poderia em consolência deixar um silêncio as ideias e os sentimentos que me advieram dessa leitura. Não me move a pretensão de fazer um estudo crítico, ideia nobre aliás, mas muito acima de minhas faculdades; pretendo apenas exprimir as impressões pessoais ou subjetivas que me deixaram a sua poesia e a sua poética.
A sua poética! É ela sem dúvida, muito pessoal. Chega a ser mesmo extravagante, esquisita, esdrúxula. É nessas qualidades excessivas, classificadas por outros defeitos, que se encontra, no entanto, a profunda sinceridade do poeta complexo que é o Sr. Augusto dos Anjos. É impossível acompanhá-lo nas suas cogitações, nas suas dúvidas, em todo o desespero incontido de suas estrofes, por vezes antes de filósofo que de poeta, sem sentir para logo o muito que há, nesse poeta, de intensa angústia inédita e incontida, - resultante lógica de uma concepção filosófica um tanto pessimista.
Tanto vale dizer que em Augusto dos Anjos a Poesia e a Filosofia se confundem quase sempre, dando à sua expressão emocionante alguma coisa de característico, muito sua: a espontaneidade da primeira com a técnica, não raro rebarbativa, da segunda. O que há a louvar é que, felizmente para as musas, a Ideia, em Augusto dos Anjos, não predomina sobre a sua enorme sensibilidade quase doentia de tão aciculada. É ele um poeta que pensa as suas estrofes, mas se deixa dominar por elas logo que surgem irresistivelmente como uma necessidade morfologicamente nova desse pensamento.
Daí a espontaneidade que o caracteriza poeta, mas prejudica a profundeza do conceito no arrevesado da forma. Dir-se-ia que sua poesia se faz por um estranho precipitado da imaginação e do raciocínio, que criam, assim, uma entidade emocional nova, quase sui generis.
É o caso psicológico do ―Morcego, para não citar outras composições suas. Demais a mais, a poesia do Sr. Augusto dos Anjos pode ser resumida, como a de Antero de Quental, num psiquismo dominante, que lhe faz ver o mundo sempre sob a mesma projeção sombria do próprio espírito.
Mas que diferença de forma entre um e outro poeta! É que Antero era um místico, que tinha, todavia, o raciocínio de um cético; A. dos Anjos é um poeta de viva imaginação, corroído, infelizmente, por uma impenitente filosofia naturalística. A um e outro a concepção restrita da filosofia preme, como um guante de ferro, os movimentos espontâneos do verdadeiro espírito livre. Não se encontra uma estrofe de Augusto dos Anjos, nas suas poesias de caráter abstrato, sem a influência de Heckel, com sua poderosa fascinação de construtor imaginário da Natureza e do homem. A própria técnica do sábio naturalista aí está, obstando sempre, a visão pura do poeta. É já uma necessidade de sua emoção pessoal a fórmula científica consagrada. Houve quem o censurasse por isso. E com razão: um poeta, como A. dos Anjos, não precisa de intermediários para ser o instrumento maravilhoso, como dizia Bergson, dessa natureza, que ele vê tão escura, através dos óculos do naturalista decadente de Yena.
A poesia foi sempre, por sua natureza, criadora. Não há razão para que não continue a ser tal, malgrado o desenvolvimento assombroso do espírito científico e filosófico.
O próprio Sr. Augusto dos Anjos é a melhor prova deste acerto. É um poeta, mas um poeta atual, apesar de ter a obstar-lhe os instintos criadores, uma filosofia tão restrita. Não queremos dizer com isto que um poeta do século XIX deve ignorar o dramático e o trágico das ideias, hoje mais que nunca, em crise. Ao contrário: ele e só ele poderá e deverá ficar à margem da história contemplando os variados aspectos da vida, não como filósofo, crítico ou historiador, o que seria detestável, mas como um instrumento vivo e vibrátil da Humanidade, através da sua evolução indefinida.
Toda a cultura ou toda a civilização do seu tempo deve entrar na sua psicologia, mas como um meio necessário a fazer dela um tipo representativo, cada vez mais perfeito e mais harmonioso. Só assim não perderá o poeta a sua entidade, e acompanhará a evolução das ideias. Sem perda de sua emocionalidade.
O Sr. Augusto dos Anjos, se não fosse fundamentalmente poeta, não teria conseguido com sua técnica científica os efeitos emocionantes que dão a seu livro uma originalidade extravagante, mas incontestavelmente estética. E a sua estética é efetiva, é real – é a expressão viva de um estado d‘alma que não é só seu, mas de todos os espíritos voluptuosamente fascinados pela ciência positiva, que talvez não engane, mas é certo que não satisfaz.5
Livro do dia: Eu, por Augusto dos Anjos
Por Nazareth Menezes6
A poesia científica propriamente dita, que tem em Martins Junior o seu fundador, entre nós, e Carlos D. Fernandes, o seu mais característico representando, não chegou a fazer escola em nossa literatura.
Não vem a propósito repetir aqui a discussão muito filosófica e pouco literária que a escola despertou no seio da crítica indígena. Basta acentuar apenas que a poesia científica não predominou jamais nas nossas letras.
A escola passou, como passou o "gongorismo", o "nefelibatismo" e outras classes diversas de poetas irrequietos.
A expressão verdadeira da nossa poesia é, sem dúvida, a lírica, poderosa, palpitante, verdadeira, natural e espontânea. Fora daí aparecem ensaios reveladores de talento, muitos deles, porém, falhos, despidos de beleza, sem arte e sem vibração.
Temos no livro "Eu", do Sr. Augusto dos Anjos, um desses ensaios. O volume revela, sem dúvida, a existência de um robusto talento, de um poeta correto, cultivador da forma e que sabe fazer o verso sonoro