August Nemo

Mestres da Poesia - Augusto dos Anjos


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na Ciência; isto é, na generalização filosófica estabelecida por Auguste Comte sobre aqueles seis troncos principais de todo o conhecimento humano.

      É para mim um princípio assentado que ao estado definitivo de positividade a que chegou a mentalidade do homem civilizado, corresponde presentemente, no domínio do sentimento, esta escola de poesia a científica.

      Entendo que modernamente ela, a poesia, deve ser científica; mas científica debaixo deste ponto de vista, deste modo:

      - Sentindo o influxo da concepção filosófica do universo que domina em seu tempo; enunciando as verdades gerais que decorrem para a vida social dessa concepção; mas vestindo sempre os seus ideais com as roupagens iriadas das faculdades imaginativas, e nunca deixando de obedecer à emoção poética que dá nascimento à obra de arte.

      Ou antes: Quero a poesia contemporânea alimentando-se dos sentimentos filosóficos da nossa época, mas cantando-os, sem tratadizar (seja- me lícito empregar esse termo), no poema ou na ode, uma ciência particular ou uma ordem de conhecimentos especiais."

      É um pedaço do prólogo das Visões de hoje, isso.

      Por ele vê-se claramente, e em síntese, a compreensão que eu tenho da poesia hodierna.

      Vou dar mais luz a esse meu modo de ver, que reputo justificável em extremo.

      A emoção que dá origem à poesia pode manifestar-se ou no terreno dos sentimentos ou no das idéias; pode provir desta ou daquela estação do sistema nervoso. É dessa opinião o autor da Esthetique positive.

      A poesia das idéias, que só o nosso século pode realizar completamente porque só nele se veio a fechar o círculo abstrato da especulação humana, é tão aceitável e legítima como a poesia dos sentimentos.

      É intuitivo esse asserto.

      Entretanto eu não quebro lanças simples e exclusivamente em favor da poesia das idéias, não.

      Concedendo, para pôr-me de acordo com a opinião mais corrente, que o departamento da sensibilidade seja, no homem, o mais próprio para hospedar a arte e gerar as finas idealizações líricas, - tomo aqui a palavra líricas como sinônima de poéticas, penso - que, mesmo nessa circunscrição da alma, a poesia pode e deve ser científica.

      A razão disto está em que existem sentimentos nascidos da difusão da ciência, correspondendo a idéias também nascidas desta. O sentimento da simpatia e amor social, por exemplo, é filho da idéia de solidariedade humana, sugerida pela meditação filosófica.

      E tanto a idéia de solidariedade social, como o sentimento de amor pela coletividade, podem inspirar ou produzir poemas esplêndidos.

      Mas a poesia das idéias leva com facilidade ao didaticismo, dirão...

      É por isso que eu, sem a rejeitar, quero-a unida à poesia dos sentimentos científicos. Desse modo a arte nunca virá a ser a própria ciência, nem a ciência deixará alguma vez de influir sobre a arte.

      Denomino a poesia, a fórmula poética do futuro, como eu a compreendo e como a quero, deste modo: - cientificismo filosófico, ou - poesia científico-filosófica.

      Isto para obstar a que se faça de um livro de versos um compêndio de qualquer ciência particular abstrata ou concreta, e obstar ao mesmo tempo a que se pretenda, partindo de um ponto de vista subjetivo e especial, reduzir a poesia a um mero processus artístico de especulação lógica ou psicológica.

      Somente quando estiver bem vulgarizada e aceita a compreensão verdadeira das expressões ciência e filosofia, que tendem, desde o princípio deste século, a sinonimizar-se, a se fundir, a se consubstanciar em uma só; se poderá, sem perigo, dar à poesia a qualificação única de - científica.

      Mas apesar de ser isso verdade, ferido pela necessidade de matar o prejuízo que faz ver na ciência uma inimiga figadal da Poesia, eu às vezes digo apenas poesia científica, em lugar de falar na poesia científico-filosófica.O título deste livro é uma prova dessa minha imprudência.

      Citando, algumas páginas atrás, Lucrécio, Ovídio, Horácio e Boileau, eu devia ter aposto a esses nomes um outro, diante do qual só o do autor da Natureza das cousas pode levantar-se orgulhoso.

      Esse nome é o de João Wolfgan Goethe - o poeta e filósofo alemão, cuja radiosa cabeça encheu de faiscamentos geniais o fim do século passado e o começo do atual.

      O autor do Die Leiden des Jungen Werther, com a produção do Fausto, lançou uma fúlgida ponte fecundíssima entre a concepção poética de Lucrécio e a poesia científica moderna.

      É o segundo elo ou anel da formosa cadeira que se vai estendendo agora...

      Dele cita Letourneau na Physiologie des passions, um magnífico trecho que mostra bem o como ele sabia ser poeta.

      Para dar fim ao presente capítulo, esta síntese:

      - A poesia científico-filosófica é, a meu ver, o dogma que a mentalidade atual impõe à Imaginação e Sentimento modernos.

      A poesia científica, podendo romantizar, isto é, engrandecer e aformosear por meio da transformação criadora, já as idéias já os sentimentos de nossa época, alarga o círculo da atividade artística e tem a vantagem de fazer sempre do poeta um homem útil, um produtor sério.

      Aí a tem, a nova intuição poética. Compreensiva, sensata e forte, ela se estende por toda a área da emocionalidade humana, abrangendo tudo.

      Desde a lei astronômica da atração até o evolucionismo biológico e social, desde as generalizações da filosofia até os fatos particulares do amor, da dedicação, da coragem, do civismo, da paz, da família, da felicidade, da miséria, do crime, do patriotismo; desde a luta pela vida nos vegetais e nos animais até o conforto doce de um menage alegre e honesto; vai, ou antes, deve ir a poesia de hoje.

      E essa poesia, grande, elástica, imperecível, correta, harmoniosa, sonora, não é, não pode deixar de ser outra senão a científica, a arte rítmica, moldada pela concepção positiva do mundo.

      O Poeta da Morte

      Por Antonio Torres9

      Não venho falar de Baudelaire nem da “Charogne”.

      O poeta a que me refiro é bem outro.

      É um bárbaro. Nascido à sombra dos buritizais da Paraíba e falecido há pouco nas

      montanhas brumosas de Minas. Falo de Augusto dos Anjos.

      Era um poeta estranho, “sui generis”, no Brasil.

      Estava ainda muito distante da perfeição, da “euritmia” sem a qual é impossível existir qualquer obra de arte. Ele próprio era o primeiro a reconhecê-lo. As suas ideias eram sempre grandes, mas nem sempre a expressão correspondia a grandeza do pensamento. Daí, a falta de homogeneidade da sua obra publicada, que consiste toda no seu primeiro e único livro “Eu”, dado à estampa em 1912. Era uma fiala preciosa, cheia de cheia de essência rara. A essência, porém, não podia correr abundante, dada a angústia do gargalo.

      Não obstante, muitas vezes o que corria era realmente precioso. O poeta mais de uma vez, no seu livro se queixa dessa dificuldade que experimenta a linguagem humana para exprimir certas ideias e certos sentimentos, cuja amplitude, correndo nas profundezas do subconsciente em busca das claridades objetivas, é obrigada a contrair-se diante da estreiteza do Verbo e a refluir novamente para dentro de si mesmo e continuar no seu período de estação no verbo mental. A ideia, diz ele:

      Vem do encéfalo absconso que a constringe,

      Chega em seguida às cordas da laringe,

      Tísica, tênue, mínima, raquítica...

      Quebra a força centrípeta que a amarra,

      Mas, de repente, e quase morta, esbarra

      No molambo