era o fim! Cadie Boudelet era uma ignorante que não tentava conhecer os factos para tirar conclusões. Por isso, o que pensava dela ou de outra pessoa qualquer era irrelevante. Ter ouvido Dan comentar que ele tinha conseguido limpar a sua imagem e ela não era-lhe quase insuportável, mas não teve problemas em dizê-lo.
– Provocas-me náuseas, Dan Cordell! Se há algo que não consigo suportar é que pretendas fazer-me crer que não se pode censurar nada. Logo a mim, que sei que não é bem assim. Se achas que lá por teres «doutor» antes do nome vais mudar o rumo história, estás muito enganado. Além de arrogante és insuportável!
Capítulo 2
– Não tens uma opinião favorável a meu respeito, não é? – perguntou Dan dando graças por Molly não ter uma faca na mão.
– A opinião que tenho sobre ti – explicou ela – é que me deixas os nervos em franja. Diz o que vieste cá fazer e vai-te embora, por favor.
Dan pensara que vê-la novamente não iria afectá-lo, que o tempo se tinha encarregue de amansar aquela fera que conhecera há anos atrás e por quem tinha sentido mais do que queria admitir. Tinha-se enganado. Aquela rapariga tinha-se convertido numa mulher de uma beleza insuperável. Estava mais elegante, mas continuava a ter um temperamento explosivo.
– Posso ser arrogante e insuportável, mas tu és insuportável. Se te incomoda que me chamem de doutor, problema teu. Chamam-me assim, tal como a ti te chamam de mãe. Não sei porque é que isso irá mudar a história.
– Nem todos têm falhas de memória como tu – disse quase com tristeza. – Não fiz mais do que entrar por esta porta. Ainda nem consegui desfazer as malas.
– Apareces de surpresa, zangas-te com os vizinhos e achas estranho que ninguém te dê as boas-vindas? O problema não é o que os outros pensam de ti, é esse ressentimento que carregas nas costas.
– Que eu nunca quis.
De repente, ficou indefesa. Dan pareceu ter visto o brilho das lágrimas nos olhos da mulher, mas era impossível.
Molly Paget não chora por nada nem por ninguém.
O homem sentiu uma vontade imensa de abraçá-la, mas recompôs-se e enfiou as mãos nos bolsos como medida de segurança.
– Não, mas és quem se empenha em continuar a carregá-la às costas. Aceita o conselho de um velho amigo. Deixa-te de rancores, aprende a dar. Aposto o que quiseres que não te criticam assim tanto como julgas.
– Era por isso que querias falar comigo?
– Não. Vim dizer-te que houve problemas e que, por isso, a enfermeira não pode vir esta noite. A Hilda precisa de ser medicamentada antes de dormir. Queres que te ensine ou preferes que seja eu?
– É preciso dar injecções? – perguntou Molly, incomodada.
– Não – respondeu sem conseguir esconder o sorriso. – Se tivesse de ser, seria eu a dá-la. Não me esqueci de que detestas agulhas.
– Ah, sim? – perguntou, surpreendida.
– Sim. Cortaste-te com um copo no teu primeiro dia de trabalho no Ivy Tree. Levei-te ao consultório do meu pai e quase desmaiaste quando ele te disse que precisavas de ser suturada.
Molly olhou para a cicatriz que tinha no dedo. Dan percebeu que não usava aliança.
– Nunca pensei que te lembrasses disso, estou surpreendida – murmurou.
Ele também. Nunca mais recordara aquele acidente, mas a nostalgia invadiu-o. Lembrou-se da jovem irresistível que conheceu naquele Verão. Doce, deliciosa e madura. Com o sangue a escorrer-lhe pelo uniforme. Não demorou nem meio segundo a oferecer-se para levá-la ao médico.
– Lembro-me de muitas coisas que se passaram naquele Verão – disse.
– Eu preferia esquecer muitas delas – afirmou ela. – Era muito nova.
– Sim, muito mais do que aquilo que me disseste na altura.
– E tu foste muito mais grosseiro do que o necessário. Não bastou dizer que te tinhas fartado de mim, não. Tiveste de contar-me que tinhas outra namorada. Não evitaste humilhar-me à frente das outras empregadas. Trataste-me como se fosse tua criada.
– Ou estou com falta de memória ou estás a confundir-me com outra pessoa. Não me lembro de nada disso.
– Chamava-se Francine – continuou Molly como se estivesse a cuspir balas. – Abraçava-te com tanta força quando a levavas na pendura da tua moto, que parecia uma lapa.
– Sempre foste mordaz com as palavras – riu. – Alegro-me que não tenhas perdido essa virtude.
Molly não dissera nenhuma piada.
O homem dera-se conta de que a separação fora mais dolorosa para ela do que Molly era capaz de admitir.
O que aquela mulher nem imaginava era que para ele também não fora nada fácil. Não teve outro remédio senão deixá-la quando descobriu que só tinha dezassete anos e não os vinte que dissera. Apesar de ser um jovem desmiolado, tinha senso comum.
– Sinto muito ter sido uma besta.
– Eu não – ripostou ela. – Agradeço-te teres mostrado como eras na realidade. Foi mais fácil recomeçar a vida noutro lugar.
– Como?
Molly corou e deu meia volta.
– Nada – disse enquanto acendia o fogão. – Digamos que amadureci rapidamente. Por isso, dei conta de que tinha estado muito confusa ao acreditar que poderíamos ter sido um casal estável.
– Mal partiste e conheceste o homem dos teus sonhos. Casaste-te e constituíste família.
Molly encolheu os ombros.
– Conheci o homem dos meus sonhos. E tu? Não encontraste a mulher da tua vida?
– Não me casei, se é isso que queres saber.
– Por quê? Não encontraste ninguém à altura?
– Na verdade até encontrei, mas, como sempre, estou a fazê-la esperar – respondeu. – Olha, isto é o que tens de dar à tua mãe antes de dormir – disse ao anotar algo numa folha. – Os medicamentos estão numa bandeja que está no armário do seu quarto. Se tiveres qualquer problema ou dúvida, telefona-me. Não te esqueças de passar amanhã pela clínica.
– Vou ver se tenho tempo – respondeu Molly, desafiante.
– Espero que tenhas – advertiu-a. – Não estou a pedir, estou a ordenar. Se te importas com a tua mãe, irás.
Na manhã seguinte, fê-la esperar meia hora antes de recebê-la. Ver-se num local tão neutro e asséptico pareceu-lhe melhor do que aquele homem a aparecer lá em casa sempre que lhe apetecesse.
Quanto menos a visse e, sobretudo, a Ariel, melhor.
Todavia ainda não estava recomposta do susto, ao descobrir que Dan era o médico de sua mãe. Na sua presença, sentia-se frágil como uma taça de fino cristal, com as emoções à flor da pele.
Aquela fragilidade era perigosa. Poderia fazê-la perder a razão, quando lhe fizesse perguntas sobre o pai de Ariel. Era impossível não vê-lo, assim teria de lidar com ele da melhor forma possível. Tinha muitas dúvidas a colocar-lhe sobre a saúde da sua mãe.
Para o bem da menina queria contar-lhe que o que a sua mãe dissera sobre o marido rico não era correcto.
Hilda contara, quando Molly partiu, que a filha tinha arranjado um marido rico. Fora essa a desculpa que arranjara. Hilda explicara à filha toda a história, a noite passada.
– E se alguém perguntar a Ariel por ele?
– Por que é que haveriam de perguntar?