Daniel Silva

A Ordem


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a uma queda de três andares e a uma colisão com um pavimento de calcário.

      — É tarde — disse ele. — Devíamos ir resgatar os teus pais.

      — Não precisamos de nos apressar. Eles adoram ter as crianças por perto. Por eles, nunca deixaríamos Veneza.

      — A Avenida Rei Saul era capaz de dar pela minha ausência.

      — O primeiro-ministro também. — Ficou em silêncio durante um momento. — Tenho de admitir que não estou ansiosa por voltar para casa. Foi bom ter-te só para mim.

      — Só faltam dois anos para terminar o meu mandato.

      — Dois anos e um mês. Mas quem é que está a contar?

      — Tem sido terrível?

      Ela fez uma careta.

      — Nunca quis desempenhar o papel da esposa queixosa. Conheces o género, não conheces, Gabriel? Essas mulheres são tão irritantes…

      — Sempre soubemos que ia ser difícil.

      — Sim — disse ela vagamente.

      — Se precisares de ajuda…

      — Ajuda?

      — Outro par de mãos em casa.

      Ela franziu o sobrolho.

      — Consigo desenrascar-me muito bem sozinha, obrigada. Simplesmente, sinto a tua falta, é só isso.

      — Dois anos passam num abrir e fechar de olhos.

      — E prometes que não vais deixar que te convençam a cumprir um segundo mandato?

      — Nem pensar nisso.

      O rosto dela iluminou-se.

      — Então, como é que planeias passar a reforma?

      — Dito dessa maneira, até parece que devia começar a procurar um lar.

      — Os anos estão a passar por ti, querido. — Deu-lhe uma palmadinha nas costas da mão, o que não o fez sentir-se mais jovem. — Então? — perguntou ela.

      — Planeio dedicar os meus últimos anos neste planeta a fazer-te feliz.

      — Nesse caso, vais fazer tudo o que eu quiser?

      Ele olhou-a cuidadosamente.

      — Dentro do que for razoável, como é evidente.

      Ela baixou rapidamente o olhar e puxou um fio solto da toalha de mesa.

      — Tomei café com o Francesco, ontem.

      — Ele não me contou.

      — Eu pedi-lhe para não te contar.

      — Então, está explicado. E de que é que falaram?

      — Do futuro.

      — O que é que ele tem em mente?

      — Uma parceria.

      — Eu e o Francesco?

      Chiara não respondeu.

      — Tu?

      Ela assentiu com a cabeça.

      — Quer que eu venha trabalhar para ele. E, quando se reformar, daqui a alguns anos…

      — O quê?

      — A Restauro Tiepolo será minha.

      Gabriel recordou as palavras que Tiepolo lhe dissera junto do túmulo de Tintoretto. Hoje estás de férias, mas, um dia, vais morrer em Veneza… Não lhe parecia que aquele plano tivesse surgido no dia anterior, enquanto tomavam café.

      — Uma respeitável rapariga judia, vinda do gueto, vai zelar pelas igrejas e scuole de Veneza? É isso que estás a dizer?

      — É extraordinário, não é?

      — E o que é que eu vou fazer?

      — Suponho que possas passar os dias a deambular pelas ruas de Veneza.

      — Ou?

      Ela fez um lindo sorriso.

      — Podes trabalhar para mim.

      Desta vez, foi Gabriel que baixou o olhar. O seu telefone estava iluminado com uma mensagem recebida da Avenida Rei Saul. Virou o aparelho ao contrário.

      — Isso pode ser controverso, Chiara.

      — Trabalhares para mim?

      — Deixar Israel assim que o meu mandato terminar.

      — Tencionas candidatar-te a um lugar no Knesset?

      Ele revirou os olhos.

      — Escrever um livro sobre as tuas façanhas?

      — Vou deixar essa tarefa para outra pessoa.

      — Então?

      Ele não respondeu.

      — Se ficares em Israel, vais estar facilmente ao alcance do Departamento. E, se houver uma crise, vão arrastar-te de volta para resolveres o problema, tal como fizeram com o Ari.

      — O Ari queria voltar a entrar. Eu sou diferente.

      — És mesmo? Às vezes, não tenho tanta certeza disso. Na verdade, estás cada vez mais parecido com ele.

      — E as crianças? — perguntou ele.

      — Elas adoram Veneza.

      — A escola?

      — Por incrível que pareça, temos várias escolas excelentes.

      — Os miúdos vão tornar-se italianos.

      Ela franziu o sobrolho.

      — É uma pena, isso.

      Gabriel expirou lentamente.

      — Viste a contabilidade do Francesco?

      — Vou pôr tudo em ordem.

      — Os verões aqui são terríveis.

      — Vamos para as montanhas ou velejar no Adriático. Há anos que não velejas, querido.

      Gabriel esgotara as objeções. Na verdade, achava que era uma ideia maravilhosa. No mínimo, manteria Chiara ocupada durante os últimos dois anos do seu mandato.

      — Temos acordo? — perguntou ela.

      — Acho que sim, desde que cheguemos a um consenso sobre o meu salário, que vai ser exorbitante.

      Fez sinal ao empregado de mesa para pedir a conta. Chiara estava novamente a puxar o fio solto da toalha de mesa.

      — Há uma coisa que me está a incomodar — disse ela.

      — Em relação a desenraizar as crianças e mudarmo-nos para Veneza?

      — O bollettino do Vaticano. O Luigi ficava sempre com o Lucchesi até tarde. E, quando o Lucchesi ia para a capela rezar e meditar antes de ir para a cama, o Luigi ia sempre com ele.

      — É verdade.

      — Então, porque é que foi o cardeal Albanese que encontrou o corpo?

      — Suponho que nunca iremos saber. — Gabriel fez uma pausa. — A não ser que, amanhã, eu almoce com o Luigi em Roma.

      — Podes ir, com uma condição.

      — Qual é?

      — Leva-me contigo.

      — E os miúdos?

      — Os meus pais podem tomar conta deles.

      — E quem é que vai tomar conta dos teus pais?

      — Os carabinieri, claro.

      — Mas…

      — Não me faças pedir duas vezes, Gabriel. Odeio