Guido Pagliarino

As Investigações De João Marcos Cidadão Romano


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terrenos iriam para seu irmão mais velho, e ele se dedicava, portanto, ao comércio de vinho e tâmaras baseado em Jerusalém, onde ao mesmo tempo frequentava a casa de Hilel, professor bíblico originário da Babilônia. Durante esta estadia, fez amizade com outro aluno daquela escola farisaica, Samuel, mais velho e pai de sua futura esposa, a Maria de treze anos: era uma importante família pertencente à tribo de Levi e até descendente do sumo sacerdote Aaron, irmão de Moisés. Maria tinha uma boa educação dada pelo próprio pai, diferente do costume da época para as filhas mulheres. Após o casamento, seguindo seus próprios negócios, Jônatas fixou residência com sua esposa em Salamina, onde já vivia o irmão dela, um levita que possuía uma fazenda que os hospedaria temporariamente; mas, meses depois, diante de melhores perspectivas, o casal se mudou para Chairouan, na Cirenaica, onde, por um bom preço, Jônatas comprou um terreno e onde Marcos nasceu. Alguns anos depois, no entanto, a região foi invadida por tribos árabes guerreiras, que forçaram a família a fugir. Sem perder o ânimo, o fariseu levou seus entes queridos a Jerusalém, até os pais de sua mulher. Com moedas e joias que ele e Maria haviam escondido, comprou um olival perto da cidade, às margens do córrego Cedron, em Getzemani, plantando assim novamente o bem-estar familiar. Em poucos anos, ele aumentou a fazenda com a compra de um vinhedo na outra margem, comprou uma casa e adquiriu um bazar de tapetes.

      “Achei sensato acrescentar o sobrenome do meu patrono ao meu sobrenome”, comunicou Jônatas a Maria, sua esposa, e ao único filho assim que entrou em casa, antes mesmo de ter os pés lavados para retirar a sujeira da rua; “De agora em diante, serei Jônatas Paulo; e também o teu nome, querido filho, será seguido de um latino, para que, se necessário, ao apresentá-lo aos romanos, eles o reconheçam como um deles e o favoreçam. Deste momento em diante, será João Marcos, cidadão de Roma.”

      O jovem tinha acabado de fazer treze anos, já era adulto, um Bar Mitzvah, Filho da Lei, com permissão de ler e comentar os rolos da Sagrada Escritura na sinagoga. O pai, porém, como se ele ainda fosse uma criança pequena, não deixou de recomendar: “Mas tenha cuidado: mesmo que agora você seja um cidadão romano, nunca se esqueça que você é um judeu, siga sempre os 613 Mitzvot, os sagrados Preceitos da Lei! E nunca adquira nada dos usos de nossos governantes”. Então, de repente, uma suspeita surgiu em sua mente. Ele ficou em silêncio e olhou em volta com cautela, como se algum espião de Pôncio Pilatos pudesse estar escondido na casa ou atrás do muro perimetral. Tranquilizado, ele recuperou o ímpeto e se jogou totalmente em um de seus ensinamentos redundantes usuais para o filho, que variava da ética à história e em que comparava os santos costumes farisaicos aos condenáveis dos gentios: “Nós, judeus, meu filho, somos os eleitos do Céu, enquanto os romanos, como os gregos, não se levantarão novamente devido aos seus costumes corruptos: nossos conquistadores viram a corrupta Grécia como o berço de valores a serem incluídos em sua civilização, mas, com o conhecimento, entraram em Roma os hábitos morais nefastos desse povo, que merecem o castigo do Senhor!”. A exclamação maledicente não bastava; ele continuou: “O severo imperador Augusto se opôs a esses costumes em vão: dizem que seu herdeiro Tibério se abandona a todos os vícios junto de sua corte, não se diferenciando de forma alguma dos mestres helênicos da devassidão. Assim, entre os gentios, é uma abominação de abominações. Por outro lado, o que dizer da cultura greco-latina em si?! Poesia, filosofia, direito são reservados para uns poucos privilegiados que tratam a plebe como coisa, sem falar de como eles consideram a nós, judeus, nós que somos forçados a comprar a cidadania para prosperar” – no fundo, ele se sentia culpado pela sua recente aquisição – “e, por trás dos humanistas gregos e romanos, há, até onde os olhos podem ver, uma extensão heterogênea de plebeus miseráveis, em Roma como em Corinto, em Alexandria como em Atenas, aos quais, na grande maioria dos casos, nem mesmo lhes é ensinado a ler e contar”. Ele inflou ainda mais: “Nós, judeus, porém, até a idade dos doze anos, somos educados na sinagoga. Nós somos filhos de Israel, todos de linhagem real, a do Criador, como sabemos por sua Palavra, e de forma alguma uma massa como a plebe da sociedade pagã; e qualquer um de nós, como meu grande rabino Hilel da Babilônia, que era um simples lenhador, pode continuar seus estudos se um professor o receber como discípulo e até mesmo aspirar a se tornar um rabino!”. Respirando fundo, ele finalmente concluiu: “Que a justiça do Altíssimo ilumine os pecadores impenitentes para todo o sempre!”

      “Amém, amém”, ecoaram, em coro, o filho e a esposa; e, finalmente, esta, que ficara o tempo todo com uma bacia na mão, pronta para servir o marido, se aproximou para lavar seus pés.

      Alguns meses depois, em 23 de maio, durante uma estadia de negócios em Perge, onde pretendia comprar tapetes locais em um dos empórios da cidade para revendê-los por um preço mais alto em Jerusalém, Jônatas Paulo foi encontrado morto por uma patrulha policial deitado no chão em uma das ruas da cidade, perfurado no coração.

      O assassino ou os assassinos não foram localizados.

      A bolsa não havia sido roubada, por isso, é difícil pensar em um assassinato por roubo. Competição imoral nos negócios que levou ao assassinato? Uma briga trivial no caminho que terminou tragicamente? Ou foi um daqueles patriotas judeus fanáticos chamados zelotes? Ele foi punido porque se tornou um cidadão de Roma? Essas são as perguntas que Marcos se fez. Apenas dezoito anos depois ele teria a resposta, e o motivo que descobriria não seria um daqueles imaginados, mas algo absolutamente inesperado.

      Três dias antes da morte de Jônatas Paulo, o navio que vinha da Cesareia Marítima, onde o fariseu havia embarcado, ancorou no porto de Salamina, no Chipre, cidade onde morava seu sobrinho, o levita José, chamado Barnabé, filho do irmão de sua esposa e agricultor, como os pais falecidos.

      Barnabé tinha hospedado seu tio para passar a noite e, já tendo pretendido comprar algumas sementes preciosas em Perge em um futuro próximo, decidiu, no momento, juntar-se a ele no resto da viagem.

      No dia seguinte, embarcaram em um navio menor do que o que levara Jônatas Paulo a Salamina, um barco que, depois de passar pelo trecho de mar que separava Chipre da região da Panfília, conseguiu subir o rio Cistro até um pequeno ancoradouro de Perge, em vez de ter de fundear em Antália, o porto marítimo da cidade.

      Quando chegaram ao destino, ao saírem do porto, os dois viram, no caminho que levava ao seu interior, mulheres de várias idades e jovens imberbes, todos seminus, oferecendo-se aos transeuntes com palavras e com toques no seu sexo ou nos flancos, balançando os quadris em uma pantomima sexual. O rígido fariseu, que, pela experiência de viagens anteriores, já esperava por isso, irrompeu apontando para o céu com o dedo indicador da mão direita: “Uma afronta diante do Senhor! Ó, tu, que caminha pela bola de cristal do firmamento! Envie o seu anjo da morte sobre todos esses impuros!”

      “Amém”, aderiu o sobrinho, mas em voz baixa e sem ênfase.

      Por seu tom fraco, o fariseu não ficou satisfeito com seu parente: “Então, Barnabé! Você vê bem, certo? O que eu tenho de sofrer cada vez que venho aqui. Em Perge, encontro o melhor dos tapetes, ou não colocaria os pés aqui, sabe? Você notou ou não que até os sodomitas ficam furiosos?!”

      O sobrinho, semicerrando os olhos e fechando a boca em uma careta amarga, assentiu duplamente.

      Finalmente consolado, o tio então ergueu o rosto o mais alto possível e lançou sua voz para a esfera do céu, ou ao menos essa era a intenção: “Abominação das abominações! Senhor Altíssimo, salve os pecadores arrependidos, mas lance suas maldições sobre aqueles que não se arrependem! Faça seu anjo da morte queimá-los com uma tempestade de chamas, como em Sodoma e Gomorra!”

      “Amém”, ecoou mais uma vez seu sobrinho, desta vez levantando muito a voz; então, ele não se conteve e, sorrindo, continuou: “A tempestade ardente somente quando nós partirmos, hein? Porque se alguma língua de fogo errasse o alvo…”

      “Bem, bem … claro”, concordou Jônatas Paulo, que estava completamente sem humor.

      Dividindo as despesas, os dois alugaram um quarto em um pequeno hotel onde o fariseu costumava ficar, administrado pelo judeu