Luis de Camoes

Obras Completas de Luis de Camões, Tomo III


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por ella.

– oOo —ENDECHAS

      Vós sois huma Dama

      Das feias do mundo;

      De toda a má fama

      Sois cabo profundo.

      A vossa figura

      Não he para ver;

      Em vosso poder

      Não ha formosura.

      Vós fostes dotada

      De toda a maldade;

      Perfeita beldade

      De vós he tirada.

      Sois muito acabada

      De taixa e de glosa:

      Pois quanto a formosa,

      Em vós não ha nada.

      Do grão merecer

      Sois bem apartada;

      Andais alongada

      Do bem parecer.

      Bem claro mostrais

      Em vós fealdade:

      Não ha hi maldade,

      Que não precedais.

      De fresco carão

      Vos vejo ausente;

      Em vós he presente

      A má condição.

      De ter perfeição

      Mui alheia estais;

      Mui muito alcançais

      De pouca razão.

– oOo —ENDECHAS

      Vai o bem fugindo,

      Cresce o mal co'os annos,

      Vão-se descubrindo

      Co'o tempo os enganos.

      Amor e alegria.

      Menos tempo dura.

      Triste de quem fia

      Nos bens da ventura!

      Bem sem fundamento

      Tẽe certa a mudança,

      Certo o sentimento

      Na dor da lembrança.

      Quem vive contente,

      Viva receoso:

      Mal que se não sente,

      He mais perigoso.

      Quem males sentio,

      Saiba ja temer;

      E pelo que vio

      Julgue o qu'ha de ser.

      Alegre vivia,

      Triste vivo agora;

      Chora a alma de dia,

      E de noite chora.

      Confesso os enganos

      De meu pensamento:

      Bem de tantos annos

      Foi-se n'hum momento.

      Meus olhos, que vistes?

      Pois vos atrevestes,

      Chorae, olhos tristes,

      O bem que perdestes.

      A luz do sol pura

      Só a vós se negue;

      Seja noite escura,

      Nunca a manhãa chegue.

      O campo floreça,

      Murmurem as ágoas,

      Tudo me entristeça,

      Cresção minhas mágoas.

      Quizera mostrar

      O mal que padeço;

      Não lhe dá lugar

      Quem lhe deu comêço.

      Em tristes cuidados

      Passo a triste vida;

      Cuidados cansados,

      Vida aborrecida.

      Nunca pude crer

      O que agora creio:

      Cegou-me o prazer

      Do mal que me veio.

      Ah ventura minha,

      Como me negaste!

      Hum so bem que tinha,

      Porque mo roubaste?

      Triste fantasia

      Quanta cousa guarda!

      Quem ja visse o dia,

      Que tanto lhe tarda!

      Nesta vida cega

      Nada permanece;

      O qu'inda não chega,

      Ja desaparece.

      Qualquer esperança

      Foge como o vento:

      Tudo faz mudança,

      Salvo meu tormento.

      Amor cego e triste,

      Quem o tẽe padece:

      Mal quem lhe resiste!

      Mal quem lhe obedece!

      No meu mal esquivo

      Sei como Amor trata:

      E pois nelle vivo,

      Nenhum amor mata.

      SEXTINAS

      SEXTINA I

      Foge-me pouco a pouco a curta vida,

      Se por caso he verdade qu'inda vivo;

      Vai-se-me o breve tempo d'ante os olhos;

      Chóro por o passado; e em quanto fallo,

      Se me passão os dias passo a passo.

      Vai-se-me, emfim, a idade, e fica a pena.

      Que maneira tão aspera de pena!

      Pois nunca hum'hora vio tão longa vida

      Em que do mal mover se visse hum passo.

      Que mais me monta ser morto que vivo?

      Para que chóro, emfim? para que fallo,

      Se lograr-me não pude de meus olhos?

      Oh formosos, gentís e claros olhos,

      Cuja ausencia me move a tanta pena,

      Quanta se não comprende em quanto fallo!

      Se no fim de tão longa e curta vida

      De vós m'inflammasse inda o raio vivo,

      Por bem teria todo o mal que passo.

      Mas bem sei que primeiro o extremo passo

      Me ha de vir a cerrar os tristes olhos,

      Que Amor me mostre aquelles por quem vivo.

      Testimunhas serão a tinta e penna,

      Qu'escrevêrão de tão molesta vida

      O menos que passei, e o mais que fallo.

      Oh que não sei qu'escrevo, nem que fallo!

      Pois se d'hum pensamento em outro passo,

      Vejo tão triste genero de vida,

      Que se lhe não valerem tanto os olhos,

      Não posso imaginar qual seja a penna

      Qu'esta pena traslade