por ella.
Vós sois huma Dama
Das feias do mundo;
De toda a má fama
Sois cabo profundo.
A vossa figura
Não he para ver;
Em vosso poder
Não ha formosura.
Vós fostes dotada
De toda a maldade;
Perfeita beldade
De vós he tirada.
Sois muito acabada
De taixa e de glosa:
Pois quanto a formosa,
Em vós não ha nada.
Do grão merecer
Sois bem apartada;
Andais alongada
Do bem parecer.
Bem claro mostrais
Em vós fealdade:
Não ha hi maldade,
Que não precedais.
De fresco carão
Vos vejo ausente;
Em vós he presente
A má condição.
De ter perfeição
Mui alheia estais;
Mui muito alcançais
De pouca razão.
Vai o bem fugindo,
Cresce o mal co'os annos,
Vão-se descubrindo
Co'o tempo os enganos.
Amor e alegria.
Menos tempo dura.
Triste de quem fia
Nos bens da ventura!
Bem sem fundamento
Tẽe certa a mudança,
Certo o sentimento
Na dor da lembrança.
Quem vive contente,
Viva receoso:
Mal que se não sente,
He mais perigoso.
Quem males sentio,
Saiba ja temer;
E pelo que vio
Julgue o qu'ha de ser.
Alegre vivia,
Triste vivo agora;
Chora a alma de dia,
E de noite chora.
Confesso os enganos
De meu pensamento:
Bem de tantos annos
Foi-se n'hum momento.
Meus olhos, que vistes?
Pois vos atrevestes,
Chorae, olhos tristes,
O bem que perdestes.
A luz do sol pura
Só a vós se negue;
Seja noite escura,
Nunca a manhãa chegue.
O campo floreça,
Murmurem as ágoas,
Tudo me entristeça,
Cresção minhas mágoas.
Quizera mostrar
O mal que padeço;
Não lhe dá lugar
Quem lhe deu comêço.
Em tristes cuidados
Passo a triste vida;
Cuidados cansados,
Vida aborrecida.
Nunca pude crer
O que agora creio:
Cegou-me o prazer
Do mal que me veio.
Ah ventura minha,
Como me negaste!
Hum so bem que tinha,
Porque mo roubaste?
Triste fantasia
Quanta cousa guarda!
Quem ja visse o dia,
Que tanto lhe tarda!
Nesta vida cega
Nada permanece;
O qu'inda não chega,
Ja desaparece.
Qualquer esperança
Foge como o vento:
Tudo faz mudança,
Salvo meu tormento.
Amor cego e triste,
Quem o tẽe padece:
Mal quem lhe resiste!
Mal quem lhe obedece!
No meu mal esquivo
Sei como Amor trata:
E pois nelle vivo,
Nenhum amor mata.
SEXTINAS
SEXTINA I
Foge-me pouco a pouco a curta vida,
Se por caso he verdade qu'inda vivo;
Vai-se-me o breve tempo d'ante os olhos;
Chóro por o passado; e em quanto fallo,
Se me passão os dias passo a passo.
Vai-se-me, emfim, a idade, e fica a pena.
Que maneira tão aspera de pena!
Pois nunca hum'hora vio tão longa vida
Em que do mal mover se visse hum passo.
Que mais me monta ser morto que vivo?
Para que chóro, emfim? para que fallo,
Se lograr-me não pude de meus olhos?
Oh formosos, gentís e claros olhos,
Cuja ausencia me move a tanta pena,
Quanta se não comprende em quanto fallo!
Se no fim de tão longa e curta vida
De vós m'inflammasse inda o raio vivo,
Por bem teria todo o mal que passo.
Mas bem sei que primeiro o extremo passo
Me ha de vir a cerrar os tristes olhos,
Que Amor me mostre aquelles por quem vivo.
Testimunhas serão a tinta e penna,
Qu'escrevêrão de tão molesta vida
O menos que passei, e o mais que fallo.
Oh que não sei qu'escrevo, nem que fallo!
Pois se d'hum pensamento em outro passo,
Vejo tão triste genero de vida,
Que se lhe não valerem tanto os olhos,
Não posso imaginar qual seja a penna
Qu'esta pena traslade