Luis de Camoes

Obras Completas de Luis de Camões, Tomo III


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vos poder ver.

      Não me atrevo ja,

      Minha tão querida,

      A chamar-vos vida,

      Porque a tenho má.

      Ninguem cuidará,

      Que isto póde ser,

      Sendo-me vós vida,

      Não poder viver.

– oOo —MOTE

      Coifa de beirame

      Namorou Joanne.

Voltas

      Por cousa tão pouca

      Andas namorado?

      Amas o toucado,

      E não quem o touca?

      Ando cega e louca

      Por ti, meu Joanne,

      Tu pelo beirame.

      Amas o vestido?

      Es falso amador.

      Tu não vês que Amor

      Se pinta despido?

      Cego e mui perdido

      Andas por beirame,

      E eu por ti, Joanne.

      A todos encanta

      Tua parvoice;

      De tua doudice

      Gonçalo s'espanta,

      E zombando canta:

      Coifa de beirame,

      Namorou Joanne.

      Eu não sei que viste

      Neste meu toucado,

      Que tão namorado

      Delle te sentiste.

      Não te veja triste;

      Ama-me, Joanne,

      E deixa o beirame.

      Joanne gemia,

      Maria chorava,

      E assi lamentava

      O mal que sentia:

      (Os olhos feria,

      E não o beirame,

      Que matou Joanne)

      Não sei do que vem

      Amares vestido;

      Que o mesmo Cupido

      Vestido não tem.

      Sabes de que vem

      Amares beirame?

      Vem de ser Joanne.

– oOo —MOTE

      Se Helena apartar

      Do campo seus olhos,

      Nascerão abrolhos.

Voltas

      A verdura amena,

      Gados, que pasceis,

      Sabei que a deveis

      Aos olhos d'Helena.

      Os ventos serena,

      Faz flores d'abrolhos

      O ar de seus olhos.

      Faz serras florídas,

      Faz claras as fontes:

      S'isto faz nos montes,

      Que fara nas vidas?

      Tra-las suspendidas,

      Como hervas em mólhos,

      Na luz de seus olhos.

      Os corações prende

      Com graça inhumana;

      De cada pestana

      Hum'alma lhe pende.

      Amor se lhe rende,

      E pôsto em giolhos,

      Pasma nos seus olhos.

– oOo —ALHEIO

      Verdes são os campos

      De côr de limão;

      Assi são os olhos

      Do meu coração.

Voltas

      Campo, que t'estendes

      Com verdura bella;

      Ovelhas, que nella

      Vosso pasto tendes;

      D'hervas vos mantendes

      Que traz o verão;

      E eu das lembranças

      Do meu coração.

      Gados, que pasceis

      Com contentamento,

      Vosso mantimento

      Não no entendeis.

      Isso que comeis,

      Não são hervas, não;

      São graça dos olhos

      Do meu coração.

– oOo —ALHEIO

      Verdes são as hortas

      Com rosas e flores:

      Moças, que as régão,

      Matão-me d'amores.

Voltas

      Entre estes penedos

      Que daqui parecem,

      Verdes hervas crescem,

      Altos arvoredos.

      Vai destes rochedos

      Ágoa, com que as flores

      D'outras são regadas,

      Que mátão d'amores.

      Com ágoa, que cai

      Daquella espessura,

      Outra se mistura,

      Que dos olhos sai:

      Toda junta vai

      Regar brancas flores;

      Onde ha outros olhos,

      Que mátão d'amores.

      Celestes jardins,

      As flores estrellas:

      Hortelôas dellas

      São huns seraphins.

      Rosas e jasmins

      De diversas côres,

      Anjos, que as régão,

      Mátão-me d'amores.

– oOo —ALHEIO

      Menina formosa,

      Dizei de que vem

      Serdes rigorosa

      A quem vos quer bem?

Voltas

      Não sei quem assella

      Vossa formosura;

      Que quem he tão dura

      Não póde ser bella.

      Vós sereis formosa;

      Mas a razão tem

      Que quem he irosa,

      Não parece bem.

      A mostra he de bella,

      As obras são cruas:

      Pois qual destas duas

      Ficará na sella?

      Se ficar irosa,

      Não vos está bem:

      Fique antes formosa,

      Que mais fôrça tem.

      O Amor formoso

      Se