dele com saudades. O idoso representa o meu futuro. Como será? Estarei realizado? Casado, solteiro ou até viúvo? Não quero ser um velho revoltado ou magoado. Chega de ver essas imagens. Meu presente é agora. Sou um jovem de vinte e seis anos, licenciando em Matemática, escritor. Não sou mais uma criança nem o jovem de quinze anos que perdeu o pai. Também não sou um idoso. Tenho um futuro pela frente e quero ser feliz. Não sou nenhuma dessas três imagens. Eu sou eu mesmo. Com um impacto, os três espelhos dos quais os indivíduos surgiram se quebram e uma porta surge. Ela é meu ingresso ao terceiro e último cenário.
Abro a porta que dá acesso a uma nova galeria. O que me espera no terceiro cenário? Continuemos juntos, leitor. Começo a caminhar e meu coração acelera-se como se eu estivesse ainda no primeiro cenário. Eu já venci muitos desafios e muitas armadilhas e já me considero um vencedor. Em minha memória, vou buscar as recordações de outrora, quando eu brincava em pequenas grutas. A situação agora é totalmente diferente. A gruta é enorme e cheia de armadilhas. A minha lanterna está quase apagada. Continuo a caminhar e logo à frente surge uma nova armadilha: duas portas. As “forças opostas” gritam dentro de mim. É preciso fazer uma nova escolha. Vem à memória um dos desafios e como tive a coragem de superá-lo. Eu escolhi o caminho da direita. A situação é outra, pois estou dentro de uma gruta escura e úmida. Eu já fiz a minha escolha, mas também começo a lembrar das palavras da guardiã, que falou sobre o aprendizado. Eu preciso conhecer as duas forças para ter total controle sobre elas. Escolho a porta da esquerda. Abro-a vagarosamente com medo do que ela possa estar guardando. Abro-a e contemplo a visão: estou num santuário, cheio de imagens de santos e com um cálice no altar. Será que é o santo gral, o cálice perdido de Cristo e que dá a quem beber a juventude eterna? As minhas pernas tremem. Impulsivamente, corro em direção ao cálice e começo a tomá-lo. O vinho é de um gosto dos deuses. Sinto-me tonto, o mundo gira, os anjos cantam, e a terra da gruta treme. Tenho a minha primeira visão: vejo um judeu de nome Jesus, junto com seus apóstolos, curando, libertando e abrindo novas perspectivas para seu povo. Vejo toda a sua trajetória de milagres e de amor. Vejo também a traição de Judas, e o diabo agindo por trás dele. Por último, vejo sua ressurreição e glória. Escuto uma voz me dizer: “Faça o seu pedido”. Retumbante de alegria, eu exclamo: “Quero ser o vidente! ”
O milagre
Logo após o meu pedido, o santuário treme, enche-se de fumaça e vozes alteradas podem ser ouvidas por mim. O que elas revelam é totalmente secreto. Um pequeno fogo sobe do cálice e pousa na minha mão. A sua luz é penetrante e ilumina toda a gruta. As paredes da gruta se transformam e dão espaço a uma pequena porta que surge. Ela se abre e um vento forte começa a me empurrar de encontro a ela. Todo o meu esforço vem à minha mente: a dedicação aos estudos, o perfeito seguimento às leis de Deus, a subida da montanha, os desafios e a própria passagem na gruta. Tudo isso me trouxe um crescimento espiritual espantoso. Eu agora estava preparado para ser feliz e realizar meus sonhos. A tão temida gruta do desespero se via forçada a realizar o meu pedido. Não deixo de me lembrar também nesse momento sublime de todos aqueles que contribuíram para a minha vitória, direta ou indiretamente: minha professora primária, dona Socorro, que me ensinou as letras, os meus mestres da vida, os meus companheiros de estudo e de trabalho, os meus familiares e a guardiã, que me auxiliou a vencer os desafios e a própria gruta. O vento forte permanece me empurrando de encontro à porta, e logo estarei no interior da câmara secreta.
A força que me empurrava finalmente cessa. A porta se fecha. Vejo-me numa câmara demasiadamente larga, alta e escura. Do lado direito, encontram-se uma máscara, uma vela e uma Bíblia. Do lado esquerdo, uma capa, um bilhete e um crucifixo. No centro, no alto, um interessante aparelho circular de ferro. Caminho em direção ao lado direito. Uso a máscara, pego a vela e abro a Bíblia numa página aleatória. Caminho em direção ao lado esquerdo. Visto a capa, escrevo o meu nome e codinome no bilhete e seguro o crucifixo com a outra mão. Caminho em direção ao centro e me ponho exatamente abaixo do aparelho. Pronuncio as sete letras mágicas: v-i-d-e-n-t-e... Imediatamente, um círculo de luz é emitido pelo aparelho e me envolve completamente. Sinto o cheiro do incenso que é queimado todos os dias em memória dos grandes sonhadores: Martin Luther King, Nelson Mandela, Teresa de Calcutá, Francisco de Assis e Jesus Cristo. O meu corpo vibra ao começar a flutuar. Os meus sentidos começam a ser despertados e com eles sou capaz de reconhecer os sentimentos e as intenções mais profundas. Os meus dons são fortalecidos e com eles sou capaz de realizar milagres no tempo e no espaço. O círculo se fecha cada vez mais, e todo sentimento de culpa, intolerância e medo é apagado da minha mente. Estou quase pronto. Uma sequência de visões começa a aparecer e me deixa confuso. Finalmente o círculo se apaga. Num instante, uma sequência de portas é aberta e, com meus novos dons, eu posso ver, sentir e ouvir perfeitamente: gritos de personagens querendo se manifestar, tempos e lugares distintos começam a parecer e questões significativas começam a corroer o meu coração. O desafio do vidente está lançado.
A saída da gruta
Com tudo cumprido, restava-me agora sair da gruta e proceder à minha verdadeira viagem. O meu sonho estava realizado e agora faltava colocá-lo em prática. Começo a caminhar e em pouco tempo deixo para trás a câmara secreta. Creio que nenhum outro ser humano terá o prazer de entrar nela. A gruta do desespero nunca mais será a mesma depois que eu sair dela vitorioso, confiante e feliz. Volto a penetrar no terceiro cenário: as imagens dos santos permanecem intactas e parecem estar felizes com a minha vitória. O cálice está levemente caído e seco. O vinho estava delicioso. Caminho calmamente em volta do terceiro cenário e sinto a atmosfera do lugar. Realmente é sagrada, assim como a gruta e a montanha. Começo a gritar de felicidade e o eco produzido se estende por toda a gruta. O mundo não será mais o mesmo depois do vidente. Paro, repenso e contemplo a mim mesmo em todos os sentidos. Com um último beijo de despedida deixo o terceiro cenário e volto para a mesma porta da esquerda que escolhi. O caminho do vidente não será fácil, pois terá o desafio de controlar totalmente as forças opostas do seu coração e ensiná-lo aos outros. O caminho da esquerda, que foi a minha opção, representa o conhecimento e o contínuo aprendizado, as forças ocultas, o arrependimento ou a própria morte.
A caminhada torna-se exaustiva, pois a gruta é muito extensa, escura e úmida. O desafio do vidente pode ser maior do que eu penso: desafio de conciliar corações, vidas e sentimentos. Isso não é tudo: ainda tenho de cuidar do meu próprio caminho. A galeria torna-se estreita e com ela também meus pensamentos. Vem à tona a saudade de casa, da Matemática e da própria vidinha. Enfim, saudades de mim mesmo. Apresso os passos e logo estou no segundo cenário. Os espelhos quebrados representam agora as partes da minha mente que foram preservadas e ampliadas: os bons sentimentos, as virtudes, os dons e a própria capacidade de reconhecer quando se erra. O cenário de espelhos é o reflexo da minha própria alma. Esse autoconhecimento, eu vou levar para a vida inteira. Ainda estão guardadas na memória a figura da criança, a do jovem de quinze anos e a do idoso. São três das minhas muitas faces que vou preservar, pois elas são minha própria história. Despeço-me do segundo cenário e com ele deixo minhas lembranças.
Estou na galeria que conduz ao primeiro cenário. A minha expectativa de futuro e minha esperança estão renovadas. Sou o vidente, um ser evoluído e especial, destinado a fazer muitos corações sonharem. O período pós- gruta servirá de treinamento e aperfeiçoamento de habilidades preexistentes. Ando um pouco mais e já consigo vislumbrar o labirinto. Esse desafio quase me destruiu. A minha salvação foi o bruxo, um morcego que me auxiliou a encontrar a saída. Agora eu não preciso mais dele, pois com os meus poderes de vidente posso facilmente passar por ele.
Eu tenho o dom da orientação em cinco planos. Quantas vezes não nos sentimos como se estivéssemos perdidos em um labirinto: quando perdemos o emprego; quando decepcionamos o grande amor de nossas vidas; quando desafiamos a autoridade de nossos superiores; quando perdemos a esperança e a capacidade de sonhar; quando paramos de ser aprendizes da vida; quando perdemos a capacidade de dirigir o nosso próprio destino.
Lembre-se: o universo predispõe a pessoa, mas é ela que tem de correr atrás e mostrar que é digno. Foi o que eu fiz. Subi a montanha, realizei três desafios,