mãe sorria-lhe e dizia-lhe coisas como aquela, mesmo quando mantinha a corrente curta para não chegar à comida ou ver o mundo lá fora. E também as freiras tinham sorrido e dito coisas como aquela quando o espreitavam pela pequena abertura quadrada da porta da sua pequena prisão.
“Mas que menino bonito!”
Ele sabia que nem toda a gente era cruel. A maior parte das pessoas queria o seu bem, sobretudo as pessoas desta pequena cidade onde vivia há tanto tempo. Até gostavam dele. Mas porque é que toda a gente o encarava como uma criança – e uma criança deficiente, já agora? Ele tinha vinte e sete anos, e sabia que era extraordinariamente inteligente. A sua cabeça estava repleta de pensamentos brilhantes e raramente se deparava com um problema que não conseguisse resolver.
Mas é claro que sabia porque é que as pessoas o olhavam daquela forma. Era porque mal conseguia falar. Tinha gaguejado toda a vida e nem tentava falar, apesar de compreender tudo o que as outras pessoas diziam.
E era pequeno e fraco, e atarracado e infantil, como aqueles que tinham nascido com alguma espécie de defeito congénito. Aprisionada naquele crânio parcamente moldado, estava uma mente admirável, frustrada no seu desejo de fazer coisas fantásticas no mundo. Mas ninguém sabia disso. Ninguém mesmo. Nem mesmo os médicos do hospital psiquiátrico.
Era irónico.
As pessoas julgavam que ele não conhecia palavras como irónico. Mas sabia.
Agora encontrava-se a manipular nervosamente um botão na mão. Tinha-o retirado da blusa da enfermeira quando a pendurara. Lembrando-se dela, olhou para o berço onde a mantivera acorrentada durante mais de uma semana. Queria poder falar com ela, explicar-lhe que não queria ser cruel e que o problema tinha sido ela ser muito parecida com a mãe e com as freiras, sobretudo com aquele uniforme de enfermeira vestido.
Vê-la com aquele uniforme tinha-o deixado confuso. Tinha acontecido o mesmo com a outra mulher há cinco anos atrás, a guarda prisional. De alguma forma, ambas as mulheres tinham-se fundido na sua mente com a figura da mãe e das freiras e os funcionários hospitalares. Tinha travado uma batalha inglória simplesmente para as distinguir.
Era um alívio ter acabado com ela. Era uma tremenda responsabilidade mantê-la ali atada, dar-lhe água, ouvir os lamentos que a corrente usada para a amordaçar não filtrava. Só retirava a mordaça para lhe colocar uma palhinha na boca para beber água de vez em quando. Depois ela tentava gritar.
Se ao menos lhe tivesse conseguido explicar que não devia gritar, que havia vizinhos do outro lado da rua que não a podiam ouvir. Se ao menos lhe pudesse ter dito, talvez ela tivesse compreendido. Mas ele não conseguia explicar, não com o seu desesperado gaguejo. Em vez disso, ameaçava-a silenciosamente com uma navalha afiada. Passado algum tempo, mesmo a ameaça já não resultava e teve que lhe cortar a garganta.
Depois levara-a novamente para Reedsport e pendurara-a daquela forma, para que todos a vissem. Não sabia bem porquê. Talvez fosse um aviso. Se ao menos as pessoas pudessem compreender. Se compreendessem, ele não teria que ser tão cruel.
Talvez também fosse uma forma de dizer ao mundo o quanto lamentava tudo aquilo.
Porque ele lamentava. Iria amanhã à florista e compraria flores – um pequeno bouquet barato – para a família. Não podia falar com a florista, mas podia escrever algumas indicações simples. O presente seria anónimo. E se conseguisse encontrar um bom lugar onde se esconder, ficaria perto da sepultura quando a enterrassem, curvando a cabeça como qualquer outra pessoa que a chorasse nquela ocasião.
Puxou outra corrente esticada na sua mesa de trabalho, cerrando as pontas o máximo que conseguia, aplicando toda a sua força nessa tarefa, silenciando o seu chocalhar. Mas bem no fundo, ele sabia que aquilo não era suficiente para dominar as correntes. Para as dominar, tinha que as usar novamente. E usaria um dos coletes de força que ainda tinha consigo. Alguém tinha que sofrer, como ele sofrera.
Mais alguém teria que agonizar e morrer.
CAPÍTULO 8
Assim que Riley e Lucy saíram do avião do FBI, um jovem polícia de uniforme acorreu na sua direção.
“Estou mesmo feliz por vos ver,” Disse ele. “O Chefe Alford está à beira de um ataque de nervos. Se ninguém tirar o corpo da Rosemary daquele lugar o mais rapidamente possível, o mais certo é ter um ataque cardíaco. Os jornalistas já estão em cima do acontecimento. Chamo-me Tim Boyden.”
O coração de Riley sobressaltou-se quando soube que a comunicação social já se encontrava na cena do crime. Aquilo não augurava nada de bom.
“Posso ajudar-vos a levar alguma coisa?” Perguntou Boyden.
“Não é preciso,” Respondeu Riley. Ela e Lucy apenas transportavam um par de pequenas malas.
Boyden apontou para o outro lado da pista.
“O carro está já ali,” Disse.
Os três dirigiram-se apressadamente para o carro. Riley sentou-se no banco da frente do passageiro e Lucy no banco de trás.
“Estamos a apenas alguns minutos da cidade,” Disse Boyden quando arrancou. “Nem acredito que isto está a acontecer. Coitada da Rosemary. Todos gostavam muito dela. Estava sempre a ajudar as pessoas. Quando desapareceu há algumas semanas atrás, todos tememos o pior. Mas nunca imaginámos…”
A voz de Boyden silenciou-se e ele abanou a cabeça em sinal de horrorizada descrença.
Lucy inclinou-se para a frente.
“Sabemos que já tiveram um crime como este anteriormente,” Disse.
“Sim, quando ainda frequentava o liceu,” Confirmou Boyden. “Mas não foi aqui em Reedsport. Foi perto de Eubanks, mais a sul do rio. Um corpo acorrentado tal como o de Rosemary. Também vestido com um colete-de-forças. O chefe tem razão? Estamos a lidar com um assassino em série?”
“Ainda não sabemos,” Afirmou Riley.
A verdade era que ela pensava que o chefe devia ter razão. Mas o jovem polícia já parecia estar suficientemente incomodado. Não valia a pena alarmá-lo ainda mais.
“Não acredito,” Disse Boyden, abanando novamente a cabeça. “Uma pequena e simpática cidadezinha como a nossa. Uma senhora simpática como a Rosemary. Não acredito.”
Quando entraram na cidade, Riley viu algumas carrinhas com equipas de notícias de TV na rua principal. Um helicóptero com o logótipo de um canal de televisão sobrevoava a cidade.
Boyden conduziu até uma barricada onde um pequeno amontoado de jornalistas se tinha reunido. Um polícia acenou para o carro passar. Alguns segundos mais tarde, Boyden parou o carro ao lado da linha de comboio. Ali estava o corpo, pendurado num poste de energia. Vários polícias de uniforme estavam a apenas alguns metros de distância.
Ao sair do carro, Riley reconheceu o Chefe Raymond Alford que se encaminhava na sua direção. Não parecia nada contente.
“Espero que tenha uma excelente razão para termos mantido o corpo aqui pendurado,” Disparou. “Isto está a ser um pesadelo. O Presidente da Câmara ameaçou demitir-me.”
Riley e Lucy seguiram-no em direção ao corpo. No lusco-fusco do fim de tarde, parecia ainda mais estranho a Riley do que lhe parecera nas fotos vistas no computador. As correntes de aço inoxidável faiscavam à luz.
“Presumo que criou um cordão de segurança na cena,” Disse Riley a Alford.
“Fizemos o melhor que podíamos,” Declarou Alford. “Barricámos a área o suficiente para que ninguém conseguisse ver o corpo a não ser do rio. Desviámos as rotas dos comboios, o que está a gerar atrasos e agitação. Deve ter sido por causa disso que o canal de notícias de Albany descobriu que algo de errado se passava. Tenho a certeza que não souberam de nada pelo meu pessoal.”
Enquanto