fazia ideia.
Tinha que descobrir, precisava saber. Agora eu só podia pensar em como seria a próxima vez que nos víssemos: a Sumalee alegre e risonha de sempre ou a abatida e pesarosa que acabava de se despedir de mim.
Não podia esperar para descobrir a resposta.
Tailândia 14
Estava sentado no pátio observando os treinamentos de Muay Thai. Estava pensando que o pior da prisão era o tédio. Tantas horas sozinho, sem nada para fazer, sem ninguém com quem dividir, nem que fosse um pensamento, quando se aproximou de mim um homem grande careca e com cara de louco que tinha visto outras vezes andando por ali. Tinha uma grande cicatriz mal curada que subia do olho esquerdo até a metade da testa. Não se relacionava muito com o restante dos presos e ninguém parecia gostar de ficar muito perto dele. Tinha cara de estar bem mal da cabeça. Ele parou diante de mim, balançando-se de um lado para o outro, e me olhou cm firmeza com os olhos muito abertos, sem piscar. Eu não sabia muito bem o que pensar. Se também ia me bater ou se estava se divertindo só de me observar. Em todo caso, ele assustava. Após alguns segundos de tensão, ele se dirigiu a mim com um forte sotaque australiano.
— O que você fez para eles?
— Como?
— Isso mesmo: o que você fez para esses chatos amarelos para eles te tratarem assim? — perguntou mais uma vez, apontando com a cabeça para o grupo de perseguidores que conversavam do outro lado do pátio.
— Nada que eu saiba. Não fiz nada para ninguém na cadeia. Contanto que não sejam irmãos da desgraçada que me mandou para cá…
— Então é estranho que persigam você como fazem, né?
— Também penso assim. O que posso fazer?
— Acho que nada.
— Não é que me importe que converse comigo; pelo contrário, agradeço muito. Mas não tem medo de que eles impliquem com você por falar comigo? Ninguém quer se aproximar de mim por causa isso.
— Comigo? Acho que não. Desde que entrei aqui, representei o papel de um louco perigoso capaz de qualquer coisa e, desde então, ninguém se mete comigo. E já estou há muitos anos aqui.
— E como conseguiu? — perguntei, mas na verdade, acho que não devia ser difícil para ele se passar por um louco perigoso. Para mim, ele parecia mesmo. — Porque isso cairia muito bem para mim.
— No primeiro dia, quando um maldito amarelo veio falar comigo, arrogante, comecei a gritar como um possesso e fui para cima dele, batendo, mordendo, arrancando os cabelos dele… Como se um demônio estivesse guiando meu comportamento. Quase o matei. De fato, foi nessa briga que me fizeram esta cicatriz, quando seus amigos entraram para defendê-lo. Ele levou a pior, pode ter certeza — afirmou, com um olhar sádico e um meio sorriso no rosto. — Passei uma temporada isolado, mas quando saí, entre minha cara, que não é muito amigável, e a fama que a briga ganhou, ninguém voltou a cruzar meu caminho. De vez em quando, faço alguma bobagem ou grito com alguém para que não se esqueçam que sou capaz de qualquer coisa, e pronto. Se me virem com você, pensarão que é mais uma excentricidade do farang louco. Aliás, me chamo James — disse, estendendo a mão.
— David. Prazer — respondi, dando minha mão. — O que é farang?
— É como os idiotas locais chamam a nós, os ocidentais. Não sei se significa estrangeiro, branco ou demônio, mas também não me importa. E outra coisa: não se confunda. Não é porque falei com você que vou fazer alguma coisa para te ajudar quando te atacarem. Uma coisa é eu gostar de encher o saco deles um pouco, e outra muito diferente é me divertir com alguns chineses por você, para quem eu não dou a mínima.
Estava claro que meu novo amigo não gostava muito dos tailandeses, para não dizer que parecia bastante racista, mas não que tivesse muita escolha. Era a primeira pessoa que se atrevia a falar comigo desde que entrei. Em uma situação normal, teria dado meia volta depois de dizer o que pensava dos racistas, mas eu não estava em uma situação normal. De fato, estava bem do lado contrário. E não discordava totalmente com o fato de que alguns tailandeses mereciam mesmo morrer. Pelo menos alguma.
Ficamos conversando por um tempo de banalidades. Ele riu um pouco dos presos que estavam treinando, gritando com eles como se estivesse na final do campeonato mundial de luta e tivesse apostado todo o seu dinheiro no resultado do combate. Alguns paravam para ver quem estava gritando assim, mas quando viam que era ele, seguiam seu rumo. Eu não gostava muito de chamar atenção e metia a cabeça entre as pernas para que não me reconhecessem.
Ele também passou alguns minutos maldizendo a quantidade de negros que havia na prisão. Como me contou, quase todos eram nigerianos e todos por motivo de drogas. Havia muito tráfico de drogas com a Nigéria. Ainda assim, o líder de todos eles não era nigeriano, com certeza, mas ninguém parecia saber sua origem. Era um homem também negro, grande e forte, com uma curiosa cicatriz em forma de meia lua no rosto e a quem todos pareciam temer. Até James. Pelo visto, era um mercenário africano, um filho da guerra obrigado a lutar e matar desde jovem e que não estava para brincadeira. Parecia muito tranquilo, mas quando precisava, era muito violento e não parecia temer nada nem ninguém. Havia muitos rumores sobre ele, mas ninguém sabia quais eram verdadeiros ou não: que o haviam obrigado a matar seu irmão quando o recrutaram à força em um grupo armado com apenas onze anos; que dois anos depois, ele matou o chefe que ordenou o ataque e o nomearam como líder; que era um assassino de aluguel; que tinha sido escravista na guerra do Congo; que comia o coração de suas vítimas; que tinha violado centenas de homens e mulheres, inclusive menores; que gostava de matar com as próprias mãos; que uma vez queimou vivo um povoado inteiro só porque não quiseram dizer onde se escondia uma pessoa que ele estava procurando; que tinha traficado todo tipo de produtos ilegais… Tantas barbaridades. E, olhando para ele, nenhum me parecia pouco crível. Dava muito medo. Muito. Por sorte, ele me ignorava totalmente.
Quando já se cansou de maldizer todo mundo, levantou-se e se foi da mesma forma como tinha vindo, sem dizer nada. Eu o vi se afastando, sentindo-me em parte aliviado por ter podido falar com alguém depois de tanto tempo.
Eu me conformava com isso a essa altura.
Cingapura 7
Quando cheguei em casa, Dámaso e Josele correram para me perguntar sobre o encontro. Nos sentamos na sala e eu contei o que tínhamos feito, onde tínhamos ido e, principalmente, o que aconteceu no final, na praia. Os dois ficaram pensando um momento. Josele foi o primeiro a falar.
— Com certeza é uma paranoia sua. Ela só está querendo ir mais devagar.
— Não sei, Josele. Você não estava lá. Foi algo mais. No momento, parecia que íamos continuar nos beijando, até que algo passou pela cabeça dela e a fez recuar. Tenho certeza de que ela queria, mas não consigo pensar no que poderia a ter feito parar. Talvez tenha algum tipo de doença contagiosa. Não sei o que pensar.
— Para, burro! Certeza que é algo muito mais simples. As coisas costumam ser mais simples do que achamos, é a gente que complica tudo. Provavelmente tem a ver com o que dizem os costumes do país dela ou algo assim.
— Estou com Josele — afirmou Dámaso. — Combine de se encontrar com ela na semana que vem e veja como a coisas acontecem.
— Espero que tenham razão. Eu a conheço há apenas dois dias, mas essa garota tem algo de especial que me deixa louco.
— Olha lá, você está se apaixonando — disse Josele.
— Quanta bobagem! Como posso estar me apaixonando se a conheci ontem? A única coisa que eu queria era uma garota para passar o tempo.
— Você é quem está dizendo — respondeu Josele. — Na primeira noite, nada de nada, ontem um beijinho e hoje ela está fazendo sua cabeça… Amigo, você tem um problema.
— Sim, eu sei o