Fernando Pessoa

Mestres da Poesia - Fernando Pessoa


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não me sai da memória

      A janela e ela, e eu

      Que se fosse outro era história [?]

      Mas o outro nunca nasceu...

      Semitis desilientis aquae

      No ar frio da noite calma

      Bóia à vontade a minha alma,

      Quase sem querer viver

      Sente os momentos correr,

      Como uma folha no rio,

      Sente contra si o frio

      Das horas fluidas levando

      Seu inerte corpo brando.

      Mais do que isto? Para quê?

      Tudo quanto o olhar vê

      A mão toca, o ouvido escuta,

      A consciência prescruta,

      É inútil que se escutasse,

      Que se visse ou se pensasse.

      Entre as margens com arbustos

      Luze, na noite dos sustos,

      Só o luar repousado,

      Ao correr vago e amparado

      Do rio deixado em livre

      A alma passa, a alma vive.

      Ninguém. Só eu e o segredo

      Do luar e do arvoredo

      Que das margens causa medo.

      Nada. Só a hora inútil

      Só o sacrifício fútil

      De desejar sem querer

      E sem razão esquecer.

      Prolixa memória, toda.

      Rio indo como uma roda,

      Noite como um lago mudo,

      E a incerteza de tudo.

      Recosto-me, e a hora dorme.

      Corre-me o que a noite enorme

      Atribui à minha mágoa,

      Como um ser murmuro de água.

      Ninguém; a noite e o luar.

      Nada; nem saber pensar.

      Raie o dia, ou morra eu

      Volte no oriente do céu

      O sol ou não volte mais,

      Só sempre os tédios iguais

      E as horas, calem o medo,

      Como o rio entre o arvoredo,

      De nocturna consistência,

      Com fluida, vaga insistência.

      O mal é haver consciência

      O peso de haver o mundo

      Passa no sopro da aragem

      Que um momento o levantou

      Um vago anseio de viagem

      Que o coração me toldou.

      Será que em seu movimento

      A brisa lembre a partida,

      Ou que a largueza do vento

      Lembre o ar livre da ida?

      Não sei, mas subitamente

      Sinto a tristeza de estar

      O sonho triste que há rente

      Entre sonhar e sonhar.

      Fernando Pessoa, ele mesmo.

      O Verdadeiro Segredo Maçônico

      O verdadeiro Segredo Maçônico…

      É um segredo de vida

      e não de ritual

      e do que se lhe relaciona.

      Os Graus Maçônicos comunicam àqueles que os recebem,

      sabendo como recebe-los,

      um certo espírito,

      uma certa aceleração da vida

      do entendimento

      e da intuição,

      que atua como uma espécie

      de chave mágica dos próprios símbolos,

      e dos símbolos

      e rituais não maçônicos,

      e da própria vida.

      É um espírito,

      um sopro posto na Alma,

      e, por conseguinte,

      pela sua natureza,

      …incomunicável.

      Autopsicografia

      O poeta é um fingidor

      Finge tão completamente

      Que chega a fingir que é dor

      A dor que deveras sente.

      E os que leem o que escreve,

      Na dor lida sentem bem,

      Não as duas que ele teve,

      Mas só a que eles não têm.

      E assim nas calhas de roda

      Gira, a entreter a razão,

      Esse comboio de corda

      Que se chama coração.

      Não sei quantas almas tenho

      Não sei quantas almas tenho.

      Cada momento mudei.

      Continuamente me estranho.

      Nunca me vi nem achei.

      De tanto ser, só tenho alma.

      Quem tem alma não tem calma.

      Quem vê é só o que vê,

      Quem sente não é quem é,

      Atento ao que sou e vejo,

      Torno-me eles e não eu.

      Cada meu sonho ou desejo

      É do que nasce e não meu.

      Sou minha própria paisagem,

      Assisto à minha passagem,

      Diverso, móbil e só,

      Não sei sentir-me onde estou.

      Por isso, alheio, vou lendo

      Como páginas, meu ser

      O que segue não prevendo,

      O que passou a esquecer.

      Noto à margem do que li

      O que julguei que senti.

      Releio e digo: «Fui eu?»

      Deus sabe, porque o escreveu.

      Abdicação

      Toma-me, ó noite eterna, nos teus braços

      E chama-me teu filho... eu sou um rei

      que voluntariamente abandonei

      O meu trono de sonhos e cansaços.

      Minha espada, pesada a braços lassos,

      Em mãos viris e calmas entreguei;

      E meu cetro e coroa – eu os deixei

      Na antecâmara, feitos em pedaços

      Minha cota de malha, tão inútil,

      Minhas esporas de um tinir tão fútil,

      Deixei-as pela fria escadaria.

      Despi