Fernando Pessoa

Mestres da Poesia - Fernando Pessoa


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a outra cousa),

      Sentir calor e frio e vento,

      E não ir mais longe.

      Uma vez amei, julguei que me amariam,

      Mas não fui amado.

      Não fui amado pela única grande razão —

      Porque não tinha que ser.

      Consolei-me voltando ao sol e à chuva,

      E sentando-me outra vez à porta de casa.

      Os campos, afinal, não são tão verdes para os que são amados

      Como para os que o não são.

      Sentir é estar distraído.

      Se depois de eu morrer

      Se depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia,

      Não há nada mais simples

      Tem só duas datas — a da minha nascença e a da minha morte.

      Entre uma e outra todos os dias são meus.

      Sou fácil de definir.

      Vi como um danado.

      Amei as coisas sem sentimento nenhum.

      Nunca tive um desejo que não pudesse realizar, porque nunca ceguei.

      Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um acompanhamento de ver.

      Compreendi que as coisas são reais e todas diferentes umas das outras;

      Compreendi isto com os olhos, nunca com o pensamento.

      Compreender isto com o pensamento seria achá-las todas iguais.

      Um dia deu-me o sono como a qualquer criança.

      Fechei os olhos e dormi.

      Além disso, fui o unico poeta da Natureza.

      Acho tão natural que não se pense

      Acho tão natural que não se pense

      Que me ponho a rir às vezes, sozinho,

      Não sei bem de quê, mas é de qualquer cousa

      Que tem que ver com haver gente que pensa

      Que pensará o meu muro da minha sombra?

      Pergunto-me às vezes isto até dar por mim

      A perguntar-me cousas. . .

      E então desagrado-me, e incomodo-me

      Como se desse por mim com um pé dormente. . .

      Que pensará isto de aquilo?

      Nada pensa nada.

      Terá a terra consciência das pedras e plantas que tem?

      Se ela a tiver, que a tenha...

      Que me importa isso a mim?

      Se eu pensasse nessas cousas,

      Deixaria de ver as árvores e as plantas

      E deixava de ver a Terra,

      Para ver só os meus pensamentos ...

      Entristecia e ficava às escuras.

      E assim, sem pensar tenho a Terra e o Céu.

      Há metafísica bastante em não pensar em nada

      O que penso eu do mundo?

      Sei lá o que penso do mundo!

      Se eu adoecesse pensaria nisso.

      Que idéia tenho eu das cousas?

      Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?

      Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma

      E sobre a criação do Mundo?

      Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos

      E não pensar. É correr as cortinas

      Da minha janela (mas ela não tem cortinas).

      O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério!

      O único mistério é haver quem pense no mistério.

      Quem está ao sol e fecha os olhos,

      Começa a não saber o que é o sol

      E a pensar muitas cousas cheias de calor.

      Mas abre os olhos e vê o sol,

      E já não pode pensar em nada,

      Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos

      De todos os filósofos e de todos os poetas.

      A luz do sol não sabe o que faz

      E por isso não erra e é comum e boa.

      Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores?

      A de serem verdes e copadas e de terem ramos

      E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,

      A nós, que não sabemos dar por elas.

      Mas que melhor metafísica que a delas,

      Que é a de não saber para que vivem

      Nem saber que o não sabem?

      “Constituição íntima das cousas”...

      “Sentido íntimo do Universo”...

      Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada.

      É incrível que se possa pensar em cousas dessas.

      É como pensar em razões e fins

      Quando o começo da manhã está raiando, e pelos lados das árvores

      Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão.

      Pensar no sentido íntimo das cousas

      É acrescentado, como pensar na saúde

      Ou levar um copo à água das fontes.

      O único sentido íntimo das cousas

      É elas não terem sentido íntimo nenhum.

      Não acredito em Deus porque nunca o vi.

      Se ele quisesse que eu acreditasse nele,

      Sem dúvida que viria falar comigo

      E entraria pela minha porta dentro

      Dizendo-me, Aqui estou!

      (Isto é talvez ridículo aos ouvidos

      De quem, por não saber o que é olhar para as cousas,

      Não compreende quem fala delas

      Com o modo de falar que reparar para elas ensina.)

      Mas se Deus é as flores e as árvores

      E os montes e sol e o luar,

      Então acredito nele,

      Então acredito nele a toda a hora,

      E a minha vida é toda uma oração e uma missa,

      E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.

      Mas se Deus é as árvores e as flores

      E os montes e o luar e o sol,

      Para que lhe chamo eu Deus?

      Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;

      Porque, se ele se fez, para eu o ver,

      Sol e luar e flores e árvores e montes,

      Se ele me aparece como sendo árvores e montes

      E luar e sol e flores,

      É que ele quer que eu o conheça

      Como árvores e montes e flores e luar e sol.

      E por isso eu obedeço-lhe,

      (Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?).

      Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,

      Como