pela vereda secreta que ia dar na via pública.
— Uê! exclamou Teodósio, voltando-se para o companheiro a fim de melhor saber dele a verdade. Pois morreu o Liberato, tão bom amigo nosso, que nunca nos faltou com jerimum, canas e criação?
— Ele era camarada, é verdade. Mas meteu-se-lhe na cabeça que havia de tirar-nos o couro, e há três dias veio bulir conosco.
— Que estás dizendo?
— Não só ele, mas também os filhos e o bom do genro.
— Foi a sua derradeira deles, hem?
— É verdade. O Zé Rufino, que o negro fora convidar para o ajudar na tragédia que tinha ideado contra nós, correu logo a dar-nos parte de tudo ainda em tempo. Quando os cabras apareceram, encontraram gente. Fizemos o bonito em poucas horas. Estão todos dentro do grotão.
— E que vais tu ver à engenhoca?
— Vou reunir-me com os outros que lá estão fazendo uma das suas. Mas onde arranjaste tu este quartau passeiro e passarinheiro que se vai derretendo na estrada depois da grande caminhada que traz da vila?
— Falta aí engenho onde se vá buscar um animalzinho fora de horas para a gente fazer sua viagem?
— Pois então vai logo pondo de olho alguns outros para fazermos a nossa mudança se a tropa vier perseguir-nos.
— Amanhã pela manhã teremos um lote, e poderemos meter terra em meio antes que o tropão bata por cá.
Tinham deixado a vereda, e achando-se já na estrada que, fazendo pouco adiante um ângulo, seguia em linha mais ou menos reta até o povoado.
Ao passarem por baixo de uma pitombeira que no ângulo apontado agitava no ar a sua copa gigantesca, súbito ruído espantou o cavalo que por um triz não tirou o cabresto da mão do Teodósio. Com o violento arranco, partiu-se a cilha da cangalha, e os dois cavaleiros vieram à terra.
— Diabo! exclamou o Teodósio contrariado e perturbado. Foi alguma coruja que abalou da pitombeira.
Não se havia partido só a cilha, mas também a armação da cangalha.
— Sabes que mais, Teødósio? Acho melhor, que não vás ao povoado.
— Por que não?
— A cilha partida, a cangalha arrebentada, tudo me parece aviso para que não faças a viagem, disse o Cabeleira.
— Estou já em outro acordo. Deixo-te o cavalo e vou a pé. Este cavalo é quem me está encaiporando.
Enquanto o Teodósio seguia pela beira do rio, o Cabeleira, que havia tomado a direção da engenhoca, dava a volta do caminho, e descobria a casa envolta em chamas cujo clarão sinistro iluminava a estendida solidão. Em breves instantes achava-se entre os companheiros, e cortava, como vimos, a porfia do Trovão e do Mulatinho sobre a posse de Luísa.
— Luisinha! exclamou o bandido. Tu me pertences.
— Que dizes, Zé Gomes? interrogou Joaquim sem poder bem compreender o que ouvira ao filho, que lhe pareceu alucinado.
— Digo o que é. Houve tempo em que juramos, eu e ela, pertencer-nos na mocidade. Chegou a ocasião.
— Atreves-te a falar-me em juramento! Não sabes o que estas dizendo. Esta mulher é minha, e quem for homem que se meta a vir tomar-ma.
Ainda bem não havia proferido estas palavras quando o Cabeleira puxava da faca dando mostras de querer ferir com ela o seu interlocutor.
— Zé Gomes! Gritou este. Já te esqueceste de que sou teu pai?
— Não tenho pai; só tenho mãe que me ensinou o caminho do bem; pai nunca tive nem tenho. Não é meu pai aquele que só me ensinou a roubar e a matar.
— Zé Gomes, olha bem o que dizes! redargüiu de novo Joaquim, medindo o filho com olhar ameaçador e terrível.
— Já lhe disse, retorquiu o mancebo sobreexcitado pela oposição do velho, ao qual se atirou com fúria brutal para lhe arrancar das mãos os pulsos de Luísa afogada em prantos e soluços.
Joaquim resistiu. Os outros malfeitores reuniram-se em torno daquelas duas hienas que ameaçavam despedaçar-se mutuamente. Mas não houve um só dentre tantos que tentasse compor os discordes.
Cabeleira brandiu enfim a faca contra o velho.
Neste momento voz chorosa e soluçada ressoou na solidão. Foi a voz de Luísa.
— Cabeleira, disse ela, terás ânimo para ferir teu pai?!
O braço do bandido descaiu incontinente como se aquela voz lhe tivesse cortado os músculos atléticos.
— Meu pai! exclamou o desgraçado. Um pai não toma a mulher de seu filho. Mas já que o queres, fica-te com ela, acrescentou voltando-se para Joaquim. Cabeleira vai desaparecer para sempre, e sem o seu auxílio hão de cair nas mãos da justiça todos os que me cercam. A tropa aí vem.
— A tropa! gritaram os malfeitores sobressaltados, olhando uns para os outros, e todos para a solidão que, ao declinar do incêndio, retomava seu aspecto equívoco e medonho.
Tendo assim falado, Cabeleira deu o andar na direção da estrada. Seu espírito estava abatido, seu coração despedaçado pelo golpe cruel que lhe havia vibrado a desgraça.
Então Luísa, vendo assim perdido o último raio de esperanças, que ainda a guiava no meio das trevas do seu infortúnio, exclamou:
— Meu Deus, meu Deus, que será de mim?
Joaquim entretanto tinha-se atravessado diante do Cabeleira. Todo assassino é covarde.
— Por que nos queres deixar? perguntou ele ao filho. No momento em que mais precisamos de ti, é que tu nos desamparas? Não sejas mau, Zé Gomes. Eu te perdôo a desobediência, e te restituo a mulher. Fujamos todos.
Cabeleira atirou-se a Luísa, e tomou-a nos braços com frenesi de alucinado.
Volvendo um instante depois os olhos ao redor, não viu um só sequer dos companheiros. Penetrados de pânico terror, todos tinham corrido, sem exceção de Joaquim, a ocultar-se na mata.
— Vamos, Luisinha, disse o bandido à moça, com ternura. Ninguém a ofenderá, ninguém.
— E minha mãe?! soluçou Luísa caindo que a eternidade se ia meter entre ela e Florinda, e que sobre a Terra estava tudo acabado para ela.
O bandido conchegou-a ao peito e abafou-lhe as últimas palavras com um beijo.
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