denominar “direito internacional público”. Foram então incluídas as disciplinas mais amplas denominadas “direito global” e “ordem jurídica internacional”, pois essas experiências de ensino propõem uma rearticulação dos conteúdos mais gerais da área no contexto brasileiro, como será visto mais adiante, o que justifica a sua inclusão neste estudo.
No Brasil, o curso de graduação em Direito possui carga horária total de 3.700 horas, a qual deverá ser integralizada em no mínimo cinco anos.11 Essa carga horária é geralmente organizada em cursos com dez semestres. As disciplinas de direito internacional analisadas neste estudo seguem esse contexto e possuem duração semestral. A maioria das instituições estudadas oferece ao menos duas disciplinas de direito internacional público em seus respectivos cursos de Direito, o que constitui um ano de estudos focados nos temas mais gerais da área de direito internacional. Em todas as instituições estudadas, as disciplinas “direito internacional público”, “direito global” e “ordem jurídica internacional” são disciplinas obrigatórias nas respectivas matrizes curriculares. Vale mencionar que, entre as instituições analisadas neste estudo, apenas a FDUSP possui uma divisão administrativa focada em direito internacional para oferta das disciplinas – o Departamento de Direito Internacional e Comparado.
Relativamente à carga horária das disciplinas analisadas, PUC-SP e FDUSP oferecem duas disciplinas semestrais de direito internacional público com carga horária semelhante (34 horas e 30 horas por semestre, respectivamente). As disciplinas analisadas neste estudo ofertadas pela FGV Direito SP possuem maior carga horária semestral (60 horas cada). Considerando que são oferecidas como disciplinas obrigatórias “ordem jurídica internacional” e “direito global”, a FGV Direito SP contempla mais espaço em sua matriz curricular para temas de caráter geral da área de direito internacional. A disciplina semestral “direito internacional público” ofertada pela Faculdade de Direito do Mackenzie possui carga horária de 48 horas – trata-se da matriz curricular com menor espaço para os conteúdos mais gerais da área.
O momento no curso em que as disciplinas analisadas são ministradas varia bastante, entre o segundo e o sétimo semestre de curso. A maior parte das disciplinas estudadas foram alocadas em um momento intermediário do curso de graduação em Direito. Em nenhuma das instituições incluídas neste estudo, as disciplinas que abordam os temais mais gerais da área de direito internacional foram alocadas no momento final do curso de graduação em Direito.
Com relação aos objetivos declarados nos programas de ensino analisados neste artigo, a maior parte das disciplinas apresenta as competências e habilidades que serão trabalhadas no decorrer do curso em relação aos temas escolhidos para estudo. Como exemplos, pode-se mencionar a compreensão e capacidade de análise de conceitos jurídicos e de perspectivas teóricas que possibilitem aos discentes a sua aplicação a casos concretos, assim como a resolução de problemas jurídicos com dimensão internacional. A compreensão das especificidades do campo do Direito para além da dimensão doméstica, o que envolve a identificação de questões jurídicas próprias do direito internacional, a análise e a construção de argumentos jurídicos também aparecem nos programas de ensino analisados. Por fim, vale mencionar que as disciplinas estudadas contemplam o desenvolvimento de habilidades de expressão oral e escrita, leitura crítica de textos jurídicos, trabalho em grupo, entre outros. Pode-se afirmar, de forma geral, que a maior parte dos programas de ensino analisados estão em consonância com “as competências cognitivas, instrumentais e interpessoais” previstas na normativa brasileira que regulamenta os cursos de graduação em Direito no Brasil.12
Os métodos adotados variam bastante entre os programas analisados. Ainda que as indicações nos programas sejam insuficientes para entendermos a dinâmica de ensino, quando os planos de curso mencionam metodologias de ensino, optam por citar que a disciplina compreende aulas teóricas e práticas, ou por indicar uma listagem de técnicas diversas além da aula expositiva mais tradicional (como roleplaying, jogos, problem-based learning ou debates).
Apesar da variação na metodologia de ensino, é na escolha de conteúdo que os programas analisados trazem elementos comuns que chamam a atenção. Na mesma linha que notou uma pesquisa exploratória anterior sobre o ensino do direito no Brasil com outros métodos,13 é clara a escolha em todas as disciplinas de abordar, e mesmo priorizar, um “conteúdo mínimo”, aqueles “essenciais para a formação profissional dos discentes”, que coincidem com os temas que são tradicionalmente encontrados nos materiais didáticos no Brasil e no exterior.14 Na mesma pesquisa, que lidava com os depoimentos dos docentes sobre sua prática profissional, outro fator declarado como central por docentes entrevistados foi de que mesmo quando são previstos no programa pontos que fogem ao “conteúdo básico”, são ainda os temas deste rol que acabam sendo priorizados no dia a dia do ensino.15 Quando pensamos no contexto de ensino do direito no Brasil, aventamos algumas hipóteses explicativas para essa priorização dos pontos centrais dos manuais. Uma delas se liga ao fato de que esses são os temas normalmente cobrados em concursos públicos (muito almejados por discentes), além da própria prova de certificação para a advocacia. Outra possibilidade é o peso da cultura compartilhada de seleção da dogmática central da disciplina, ligada a uma ideia específica de atuação profissional do internacionalista, na diplomacia ou nas cortes ou organizações internacionais.
Nesse contexto, uma análise mais detida dos conteúdos previstos nos programas de ensino estudados permite compreender quais são os temas percebidos como de caráter geral da área de direito internacional no Brasil. A disciplina comumente denominada “direito internacional público” possui como temas centrais os fundamentos do direito internacional, sujeitos e fontes de direito internacional, com ênfase na análise do Estado e das Organizações Internacionais, solução pacífica de controvérsias e a relação entre direito internacional e direito interno.
Há disciplinas que pretendem uma análise mais exaustiva dos conteúdos do direito internacional público, incluindo temas como o desenvolvimento histórico do campo, direito internacional humanitário, proteção internacional do meio-ambiente, integração regional e o direito internacional dos direitos humanos, como ilustra o caso das disciplinas ofertadas pela FDUSP. Em alguns casos, como as disciplinas ofertadas pela PUC-SP, são incluídos temas de direito internacional privado, como nacionalidade e condição jurídica do estrangeiro. Por outro lado, entre as disciplinas estudadas, “Direito Global III” tem como foco a fragmentação do direito internacional público em múltiplos regimes especializados e as formas pelas quais se dá a interação entre esses regimes. A disciplina também abordou as perspectivas teóricas desenvolvidas para compreensão desse cenário de fragmentação em direito internacional. Assim, essa disciplina trata do desenvolvimento contemporâneo do direito internacional em complexos normativos específicos, como comércio internacional, meio-ambiente, direitos humanos, entre outros. Nesse contexto, a denominação “direito global”, ao invés de direito internacional, é justificada por se aplicar “a uma ordem jurídica que seria aplicável às relações sociais que se dão na esfera global”.
A disciplina “Ordem Jurídica Internacional” busca explorar a regulação jurídica das relações internacionais. Por meio de um diálogo entre os campos do direito e das relações internacionais, essa disciplina aborda os temas gerais do direito internacional público por meio do estudo de casos didáticos próprios da realidade brasileira. A relação entre os campos do direito internacional e das relações internacionais é explorada na disciplina ofertada pela Faculdade de Direito do Mackenzie, cujo programa de ensino também dedica aulas às chamadas perspectivas críticas em direito internacional.
A análise dos conteúdos dos programas de ensino é complementada de forma produtiva pela análise da bibliografia adotada nas disciplinas estudadas neste artigo. De forma geral, a bibliografia dos programas de ensino é composta por manuais brasileiros de direito internacional público, ou seja, materiais elaborados por autores brasileiros em língua portuguesa.16 Para além dos manuais brasileiros, algumas disciplinas incluem manuais franceses, italianos, espanhóis, alemães e anglo-saxões. São incluídos também decisões de cortes internacionais, como Corte Internacional de Justiça e Corte Interamericana