Enrique Prieto-Rios

Repensar la educación en derecho internacional en América Latina


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de influência em relação a outras abordagens menos hegemônicas.36

      Anthea Roberts indica que os internacionalistas devem estar cientes tanto de certas diferenças nacionais e regionais em termos de como abordar a disciplina, quanto do fato de que diferentes abordagens podem dominar a compreensão do ‘internacional’, fazendo-o parecer como dominante e/ou universal.37 Nesse sentido, é possível uma analogia linguística simples:

      A despeito desse ideal [universalista], o Direito Internacional é marcado pela tensão entre vários idiomas e a crescente emergência do inglês como lingua franca. A existência de múltiplos idiomas é análoga à observação de diferenças nacionais e regionais. Ao invés de ser uma única comunidade falando um único idioma, embora com sotaques diferentes, advogados internacionais de diferentes comunidades falam idiomas diferentes. Pessoas, materiais e ideias se movem mais facilmente dentro das comunidades linguísticas do que entre essas comunidades. E nem sempre é claro se essas comunidades estão tendo os mesmos debates, apenas em diferentes idiomas, ou se suas abordagens diferem em termos de suposições, argumentos, conclusões e visões de mundo.38

      Há que salientar, por exemplo, a existência de grande influência por parte dos países de língua inglesa no Direito Internacional, tanto em termos de dominação e discurso hegemônico da disciplina, quanto em relação às teorias críticas. Ao mesmo passo em que os doutrinadores de Direito Internacional oriundos do Reino Unido39 são utilizados de tal forma que vêm a dominar a linguagem de Direito Internacional em grande parte dos países do mundo, incluídos aqueles do Sul Global, também as teorias críticas de Direito Internacional, de acordo com a relação feita por B.S. Chimni,40 foram – e continuando sendo – majoritariamente pensadas e publicadas no idioma inglês.

      Por isso, a linguagem de Direito Internacional deve ser utilizada de forma sensível à dinâmica apresentada pelo mundo atual: em conclusão à obra, Anthea Roberts aponta uma dualidade de associação para o jurista internacionalista – pertence, simultaneamente, à comunidade transnacional e à comunidade nacional.41 Caso o internacionalista foque na ideia transnacional e dê mais atenção à comunidade de colegas estrangeiros, este arrisca a desconexão das preocupações e perspectivas de sua comunidade local, incluindo aqueles que são alheios ou possuem restrições quanto à matéria de Direito Internacional. Em outro sentido, ao passar muito tempo voltado à comunidade nacional, o internacionalista arrisca abdicar dos benefícios de conexão com cidadãos de outros Estados, impedindo-o de ver o mundo por outras lentes.

      Apesar da busca por uma abordagem mais atenta às particularidades do campo do direito internacional na contemporaneidade, por meio da ideia de um colegiado divisível de internacionalistas e de estudos comparativos, a análise de Anthea Roberts limita-se à realidade dos países que integram o Conselho de Segurança da ONU como membros permanentes. Nesse sentido, a discussão sobre como o direito internacional é ensinado, aprendido e praticado foca-se no contexto acadêmico e profissional dos Estados Unidos da América, Rússia, China, França e Alemanha. A autora é clara ao afirmar que não pretendeu apresentar uma análise exaustiva em seu livro e que seu projeto seria aperfeiçoado se outros estudiosos pudessem reproduzir a abordagem comparativista incluindo análises sobre outros estados.42

      Mesmo com essa ressalva, Is International Law International? acaba por discutir questões relacionadas à prática do direito internacional considerando apenas cortes e tribunais internacionais,43 meios de solução de disputas quasi-judiciais44 e grandes escritórios localizados em cidades globais como Nova York, Londres e Paris.45 Não se trata aqui de argumentar pela inclusão de novos estados em estudos comparativos, em um esforço para completar a abordagem de Roberts. Para além de uma questão quantitativa sobre o número de Estados estudados, a abordagem da autora reproduz uma perspectiva bastante reduzida sobre a formação do jurista internacionalista, o tipo de trabalho que pode ser realizado na profissão e os espaços de trabalho que esse profissional poderá ocupar. Mesmo com uma análise detalhada das particularidades da prática estadunidense, marcada pelo caráter periférico do direito internacional e com um foco grande no direito doméstico e no chamado foreign relations law,46 o livro parece considerar como locus da prática do jurista internacionalista os espaços tradicionais de resolução de controvérsias internacionais entre Estados ou entre um Estado e outros sujeitos de direito internacional. Assim, o livro acaba por reforçar a ideia de que é para esse tipo de atuação profissional que o jurista internacionalista deve ser preparado e, portanto, esse o foco do ensino do direito internacional.

      Uma análise do contexto brasileiro fica dificultada se levarmos em consideração esse tipo de perspectiva sobre a prática do jurista internacionalista. Como será visto em mais detalhes na próxima seção do texto, a prática brasileira de direito internacional não se restringe às cortes e tribunais internacionais, mecanismos quasi-judiciais de resolução de controvérsias e grandes escritórios internacionais. O contexto atual brasileiro apresenta desafios que demandam uma visão diferente sobre a dimensão da prática do direito internacional.

       3. A prática brasileira de direito internacional: desafios atuais

      O ambiente político no Brasil está conflagrado por discursos discriminatórios cada vez mais constantes. Em paralelo, o arranjo constitucional tem sido usado para relativização de direitos e diminuição do espaço democrático. Nesse cenário, mais do que nunca, a argumentação jurídica é uma forma significativa de conter violações de direitos tanto pelo meio discursivo quando pelo meio institucional. Alguns exemplos recentes apontam para esse potencial quanto aos juristas internacionalistas ou juristas que tenham passado por uma formação em direito internacional. Podemos dividir as possibilidades práticas dessa atuação em três esferas.

      Recentes posicionamentos brasileiros nos fóruns multilaterais têm negado parâmetros já consolidados no âmbito internacional e formalizados em diversos tratados internacionais vigentes de que o Brasil é signatário. Um exemplo contundente da nova agenda brasileira é o ataque à “ideologia de gênero”, expressão utilizada pela ala política do presidente brasileiro para opor medidas de ensino e promoção da igualdade de gênero, a luta contra a discriminação por conta de orientação sexual e por direitos reprodutivos.47 Outro exemplo é a agenda antiambientalista do governo brasileiro que desqualifica evidências científicas sobre o aquecimento global e prioriza a exploração econômica frente à preservação ambiental.48

      Essas agendas, quando tratadas em meio à política externa, também constituem política pública.49 Como tal, podem e devem ser objeto de escrutínio público e controle democrático. Assim, constituem uma primeira esfera prática de aplicação dos conhecimentos de direito internacional. Para o escrutínio da política externa, o conhecimento da linguagem e da técnica do direito internacional têm papel fundamental para evitar retrocessos na garantia e na proteção de direitos garantidos internacionalmente mas com efeitos locais.

      Uma segunda esfera prática lida com os espaços das instituições internacionais como forma de trazer visibilidade para questões nacionais para buscar apoio na pressão internacional. Exemplo recente nessa esfera foi a nota informativa apresentada ao Tribunal Penal Internacional por um coletivo de advogados e uma comissão de personalidades brasileiras em defesa de direitos humanos. A nota denunciou como crimes contra a humanidade o quadro de uso sistemático de discursos discriminatórios das populações indígenas, falas legitimadoras de violações ambientais e paralelo ataque à participação da sociedade civil no ambiente democrático, gerando um contexto de insegurança, aumento de violência e do desflorestamento.50

      Ainda que seja um plano de ação mais comum quando se pensa na prática dos internacionalistas e bastante significativo em alguns casos, acionar instituições internacionais pode não levar a resultados expressivos ou imediatos diante do descrédito em relação às instituições internacionais do chamado “combate ao globalismo” —valores liberais reconhecidos pelo governo e seus apoiadores como ameaça aos valores cristãos e de direita.51

      Se o quadro político brasileiro atual é pouco receptivo a