Andrea Laurence

Memórias ocultas - Perseguindo os sonhos


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irritante ia ser a sua companheira de voo. Embora estivesse mais calma, não parecia muito feliz. Adrienne tirou o seu livro, pôs a sua mala no compartimento superior e ocupou o seu lugar, evitando o contacto visual.

      – Não posso acreditar que por causa de um grupo de homens de negócios japoneses, me tenham tirado da primeira classe e dado um lugar na janela. Mal consigo mexer os braços!

      – Quer trocar de lugar? – ofereceu Adrienne.

      – Oh, isso seria maravilhoso, obrigada.

      A expressão da mulher suavizou-se. Era muito bonita. Tinha um sorriso aberto com os dentes brancos e perfeitos e os lábios carnudos; o cabelo castanho escuro, longo e liso; e olhos verdes. Fazia-lhe lembrar a sua mãe; na verdade, quase poderia ser a sua atraente e elegante irmã mais velha. Estava vestida com um fato caro, de corte impecável, e calçava os Jimmy Choos mais vendidos daquela temporada.

      Aquela mulher devia ser a filha única da bela e fabulosa Miriam Lockhart.

      Adrienne tinha herdado o gosto pela moda da sua mãe e o seu jeito com a máquina de costura, mas tinha o cabelo ondulado, indomável, e os dentes tortos do pai.

      Levantou-se para trocar de lugar. Não se importava de ir à janela. Assim podia ver Nova Iorque a ficar para trás, junto com os seus sonhos.

      – O meu nome é Cynthia Dempsey – disse a mulher.

      Adrienne deixou o livro no bolso do banco da frente e sorriu, esperando que a mulher não reparasse nos seus dentes tortos.

      – Adrienne Lockhart – apresentou-se.

      – Que grande nome! Ficaria fantástico num cartaz de cinema em Times Square.

      – Não nasci para a fama, mas obrigada – Adrienne teria preferido vê-lo escrito na etiqueta de uma coleção de peças de desenho exclusivo.

      Cynthia brincou com o anel de noivado, que lhe bailava no dedo. O diamante e o aro eram tão grandes que parecia desproporcionado naqueles dedos tão finos.

      – Vai casar em breve?

      – Sim – suspirou Cynthia. O seu rosto não se iluminou como seria de esperar. Inclinou-se, como se fosse contar-lhe um segredo. – Vou casar com William Taylor III, no Plaza, em maio. Proprietário do Daily Observer.

      Com isso ficava tudo dito. Certamente iria gastar mais no seu vestido de noiva do que Adrienne tinha herdado quando o seu pai morrera.

      – Quem é que vai desenhar o seu vestido? – perguntou-lhe.

      – O Badgley Mischka.

      – Adoro. Estagiei com ele um verão, durante a universidade. Mas prefiro a roupa de prêt-à-porter para a mulher moderna e trabalhadora. Roupa desportiva. Peças soltas para complementar.

      – Trabalha em moda?

      – Trabalhava – Adrienne torceu o nariz. – Tinha uma loja no Soho, que acabei de fechar.

      – Onde posso ver o teu trabalho?

      – Temo que esta é a sua última oportunidade para ver um Adrienne Lockhart – apontou para a blusa cinzenta e cor-de-rosa que tinha vestida. A gola pouco comum e o pesponte davam-lhe o seu toque distintivo.

      – É pena – Cynthia franziu o sobrolho. – Adoro, e a minhas amigas também iriam adorar.

      Adrienne tinha tentado divulgar a sua marca durante três anos. Tinha enviado amostras para estilistas e tinha vestido a sua roupa sempre que podia, tentando captar a atenção de alguém influente. E, típico da sua sorte, só conhecia a pessoa certa no avião de regresso a casa.

      Adrienne recostou-se na cadeira e fechou os olhos. Odiava voar. Odiava as turbulências. Odiava a sensação na descolagem e a aterragem no estômago. Os motores rugiram e o avião acelerou. Abriu os olhos por um segundo e viu Cynthia a rodar o anel no dedo com nervosismo. Também não parecia gostar de voar.

      As rodas abandonaram o chão e o avião estremeceu-se num abanão. O cotovelo de Cynthia escorregou do braço e o anel saiu disparado e rodou pelo chão, para as filas de trás.

      – Oh, diabo! – protestou Cynthia.

      Era o pior momento para acontecer aquilo. Adrienne ia acalmá-la quando se ouviu uma explosão. O avião inclinou-se para a frente. Adrienne olhou pela janela, ainda não estavam muito longe do chão.

      Fechou os olhos, ignorando o ranger do avião e os gritos dos passageiros. O piloto anunciou uma aterragem de emergência. Adrienne apoiou a cabeça sobre os joelhos e abraçou-se às pernas. Ouviu-se outro estalo, as luzes desligaram-se e o avião começou a cair em picado.

      Só lhes restava rezar.

      Quatro semanas depois

      Cynthia?

      A voz atravessou o nevoeiro, arrancando-a da nuvem de sono que o corpo lhe pedia. Desejou dizer à voz para se ir embora, que era mais feliz a dormir e sem dor, mas a voz insistiu.

      – Cynthia, o Will está aqui.

      Qualquer coisa espicaçava a sua mente, uma sensação inquietante que a fazia franzir a testa cada vez que alguém dizia o seu nome. Mas só durava um instante e nunca tinha tempo para interpretar o que era.

      – Talvez devesse vir mais tarde. Precisa de descansar – a voz grave do homem aproximou-a mais da sua consciência. Tinha aquele poder sobre ela desde a primeira vez que a ouvira. O seu corpo respondia a ele, contra a sua vontade.

      – Não, está a fazer uma sesta. Querem que acorde, se mexa e participe em conversas.

      – Para quê? Nem sabe quem somos.

      – Dizem que pode recuperar a memória a qualquer momento – a voz da mulher pareceu irritada. – Falar-lhe é o melhor que podemos fazer para ajudá-la. Sei que é difícil, mas temos de tentar, todos nós. Cynthia, acorda, por favor.

      Ela abriu os olhos e tentou focar. Primeiro viu as luzes fluorescentes, depois o rosto da mulher mais velha. Vasculhou na sua mente. Diziam que era a sua mãe, Pauline Dempsey. Era muito triste que nem sequer a mulher que lhe dera a vida tivesse deixado uma marca no seu cérebro.

      Estava muito bonita. Tinha um lenço de flores no pescoço que combinava com o fato de calças azul e os seus olhos verdes. Quis levantar o braço para lhe mexer no lenço, mas a tala impediu-a. Sem saber porquê, tinha pensado que uma ligeira mudança de posição daria um ar mais moderno e favorecedor ao lenço.

      – O Will está aqui, querida – Pauline carregou no botão para levantar a cabeceira da cama de hospital.

      Ela passou a mão pelo cabelo e ajustou a tala para que o gesso lhe incomodasse menos. Quando se conseguiu endireitar, viu Will sentado nos pés da cama. Diziam que era o seu noivo. Quando olhava para aquele homem bonito e bem vestido, custava-lhe a crer. Tinha o cabelo castanho muito curto e traços angulosos e aristocráticos, exceto pelos lábios carnudos. Os olhos eram azuis, mas não sabia bem de que tom porque olhar diretamente para ele incomodava-a muito. Não sabia se pela forma como a observava e estudava, se pela falta de emoção que via no seu olhar.

      Não sabia nada de nada mas, nas últimas semanas, tinha percebido que não gostava do seu namorado. Sentava-se sempre longe dela e observava-a com o sobrolho franzido; ou parecia desconfiado e confuso com o que dizia, ou indiferente em relação a ela e ao seu estado. Isso dava-lhe vontade de chorar, mas disfarçava. Assim que se inquietava um pouco, as enfermeiras vinham a correr com calmantes que lhe deixavam tudo dormente, até o coração.

      Gostava de reparar na roupa das pessoas e como a combinavam, de modo que decidiu concentrar-se nisso. Ele estava com um fato cinzento escuro, camisa azul e gravata de losangos. Dirigia um jornal e só podia visitá-la à hora de almoço ou depois do trabalho, exceto se tivesse reuniões. E tinha muitas.

      Ou isso, ou era uma desculpa para não ir vê-la.

      –