na inexistência de motivo particular e especial que iniba o juiz de exercer a respectiva função num determinado caso com imparcialidade.
III. Com efeito, circunstâncias específicas há que podem colidir com o comportamento isento e independente do julgador, pondo em causa a sua imparcialidade, bem como a confiança das «partes» e do público em geral (comunidade), entendendo-se que nos casos em que tais circunstâncias ocorrem há que afastar o julgador, substituindo-o por outro. Tais circunstâncias tanto podem dar lugar à existência de impedimento como de suspeição. Vem-se entendendo que enquanto o impedimento afecta sempre a imparcialidade e independência do juiz, a suspeição pode ou não afectar a sua imparcialidade e a sua independência.
IV. Como corolário de tal diversidade, decorre que no caso de impedimento do julgador está sempre vedada a sua intervenção no processo (arts. 39.º e 40.º do CPP), enquanto no caso de suspeição, tudo dependerá das razões e fundamentos que lhe subjazem (art. 43.º do CPP). Por isso, no caso de impedimento deve o juiz declará-lo imediatamente no seu processo, sendo irrecorrível o respectivo despacho, sendo que no caso de suspeição poderá e deverá aquele requerer ao tribunal competente que o escuse de intervir no processo (arts. 41.º, n.º 1, e 43.º, n.º 4, do CPP).
V. Tal diversidade conduziu a que o legislador optasse também por técnicas diferentes no que concerne à previsão dos impedimentos e suspeições. Quanto aos primeiros optou pela sua enumeração taxativa (arts. 39.º, n.º 1, e 40.º), enquanto que relativamente às segundas optou pela consagração de uma fórmula ampla, abrangente dos motivos que sejam «adequados» a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do juiz (n.º 1 do art. 43.º), acrescida da previsão de situação (exemplificativa) susceptível de constituir suspeição (n.º 2 do art. 43.º).
VI. No caso vertente a questão a decidir é de impedimento. Entende o recorrente que a participação de um juiz da Relação em decisão de recurso proferida em conferência, que deveria ter sido processado como realização de audiência, impede-o de intervir nesta e, consequentemente, no julgamento do respectivo recurso, na sequência de decisão anulatória pelo mesmo proferida.
VII. O art. 40.º do CPP tem em vista garantir a imparcialidade do juiz enquanto elemento fundamental à integração da função jurisdicional, face a intervenções processuais anteriores que, pelo seu conteúdo e âmbito, considera como razão impeditiva de futura intervenção. O envolvimento do juiz no processo, através da sua directa intervenção enquanto julgador, através da tomada de decisões, o que sempre implica a formação de juízos e convicções, sendo susceptível de o condicionar em futuras decisões, assim afectando a sua imparcialidade objectiva, conduziu o legislador a impedi-lo de intervir nas situações em que a cumulação de funções processuais pode fazer suscitar no interessado, bem como na comunidade, apreensões e receios, objectivamente fundados.
VIII. À luz do que fica exposto e tendo em conta todas as causas de impedimentos taxativamente previstas na lei (als. a) a e) do art. 40.º), certo é constituir elemento comum de todas elas a intervenção anterior do juiz no processo, ou seja, a intervenção em fase anterior do processo.
IX.Elemento comum de todas aquelas causas de impedimento também é, obviamente, a de que subjacente aos impedimentos se encontra o receio de que a intervenção do juiz venha a ser considerada suspeita, por a sua imparcialidade se mostrar posta em causa.
X. No caso vertente porém, não estamos perante situação em que o julgador haja tido intervenção em fase anterior do processo, sendo certo também não ocorrer motivo susceptível de colocar em causa a sua imparcialidade. Com efeito, a fase processual é a mesma. Inexiste razão geradora de desconfiança sobre a imparcialidade do juiz, posto que se trata da repetição de acto processual anulado pelo próprio julgador que irá proceder à sua realização, sendo que ao acto de anulação está subjacente motivação de índole meramente formal.
Artigo 40.º
Impedimento por participação em processo
Nenhum juiz pode intervir em julgamento, recurso ou pedido de revisão relativos a processo em que tiver:
a) Aplicado medida de coacção prevista nos artigos 200.º a 202.º;
b) Presidido a debate instrutório;
c) Participado em julgamento anterior;
d) Proferido ou participado em decisão de recurso ou pedido de revisão anteriores;
e) Recusado o arquivamento em caso de dispensa de pena, a suspensão provisória ou a forma sumaríssima por discordar da sanção proposta.
Contém as alterações dos seguintes diplomas:
– Lei n.º 59/98, de 25/08
– Lei n.º 3/99, de 13/01
– Lei n.º 48/2007, de 29/08
Consultar versões anteriores deste artigo:
– 1ª versão: DL n.º 78/87, de 17/02
– 2ª versão: Lei n.º 59/98, de 25/08
– 3ª versão: Lei n.º 3/99, de 13/01
Jurisprudência
1. Ac. TRC de 13-12-2007, CJ, 2007, T5, pág. 49: 'A imparcialidade de um juiz deve ser aferida subjectiva e objectivamente. A participação singular de um juiz no julgamento de uma acção cível não constitui, por si só, impedimento à participação desse mesmo juiz, como presidente, no julgamento em tribunal colectivo de um processo penal em que é arguido uma das partes naquela acção cível e em que a questão fáctica debatida é a mesma'.
2. Ac. STJ de 12-05-2004: 'I – A aplicação da medida de coacção de prisão preventiva e a posterior manutenção fora das fases de inquérito ou instrução, que não estão previstas como motivo de impedimento no art. 40.º do CPP, não revelam a participação intensa que possa criar risco de produção de pré-juízos desfavoráveis ao arguido, não afectando os princípios constitucionais associados às garantias de imparcialidade do tribunal do julgamento e da isenção do juiz.
II – No caso dos autos, a intensidade de participação e do risco de formação de algum juízo de prejudicialidade estão esbatidos, tanto pela consideração da natureza e momento do primeiro interrogatório, num estádio inicial do processo, como já pela preexistência de um juízo indiciário forte, constante da acusação e estranho ao juiz, anteriormente à decisão sobre manutenção da medida de coacção.
III – A cumulação de funções ou intervenções processuais anteriores, fora da previsão específica do art. 40.º pode constituir fundamento de recusa do juiz – art. 43.º, n.º 2, do CPP —,estando, então, sujeito às regras de legitimidade e prazo de invocação para este previstas.'
3. Ac. TRL de 20-01-2009, CJ, 2009, T1, pág.154: 'Determinada pelo Tribunal da Relação a repetição do julgamento, apenas na parte correspondente às declarações do assistente e de duas testemunhas, com a sua efectiva documentação na acta, a intervenção na audiência dos mesmos juízes que integraram a tribunal colectivo não viola o disposto no artº 40º, alínea c), do Código de Processo Penal.'
4. Ac. TRL de 12-03-2009, CJ, 2009, T2, pág.140: 'Não existe qualquer impedimento legal, nos termos do artº 40º do CPP, a que o juiz que presidiu ao julgamento anterior participe na audiência cuja reabertura o arguido requereu para os efeitos do disposto no artº 371º-A do referido diploma.'
5. O Tribunal Constitucional, em várias decisões (v.g., acs. nº29/99, de 13-01-99, DR, II Série, de 13-03-99 e nº297/03, de 12-06-03, DR, II Série de 3-10-03), considerou que não afecta os princípios do acusatório e do contraditório (arts. 32º nºs 1, 2 e 5 da CRP) que estão constitucionalmente associados ao sentido e função das garantias de imparcialidade e isenção do juiz, e intervenção, pontual e não intensa, no inquérito ou instrução, do juiz que posteriormente venha a integrar a formação de julgamento.
6. Ac. TRC de 20-05-2009, CJ, 2009, T3, pág.46: 'O Juiz da comarca que pronunciou o arguido não está impedido de apreciar e decidir o requerimento pedindo a alteração