Nestor Cobiniano de Melo Neto

Tempo, o ancião recontando a história


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contra a máquina que boicota, seus passos fiéis ao penhor.

      Do mais simples ao prodígio, filho teu que te conhece, jamais ele te esquece, mesmo a mil perigos, Paraíba, teu inimigo, é o sistema que apodrece.

      Cantaram a Paraíba, em xote, xaxado e baião - estando bem inspirado, tratou de dar seu recado, Gonzaga, o rei do baião.

      No passado tinha o querer de adulto, ao mesmo tempo um sonho infantil, até em pouco tempo tornar-se mais uma cidade do Brasil.

      Tem o calor dessa gente, e do sol forte do sertão é a imagem de teu viver e do sentir do teu povão. Traz cada filho uma ou mais lembrança no tempo, do que viveu e viu quando criança, como parte de sua história, gravada em nossa lembrança.

      Os vultos que tu criaste não foram em vão proclamados, foram homens distintos, por esta terra selecionada.

      Esta terra é nosso berço e também nossa casa, se algum lugar se vive a paz, num outro se vive a guerra. Terra tão quente e boa faz dos teus um povo unido, faz de vós um povo forte, onde se tem como norte o destaque de lutadores.

      Vive-se aqui em despedida, com filhos que vão e vêm, esses que pelo Brasil caminham ao futuro que vos convém.

      A quarenta e dois anos foi o princípio, quando apenas era distrito, hoje, um sonho realizado, é um município.

      Esta terra não é azul, também não é anil, é apenas um pedaço de um grande Brasil.

      Cidade de poucos mitos, cada filho a ti se prende, quando ao menos se pretende guardá-la no coração.

      Brejo dos Santos, teu espírito não é delito, nem tampouco um vulto, é uma imagem de luta, que para sempre estará escrita.

      Teu canto de alegria, teu viver quieto e curto, traz a nós, em vez de luto, sonho sem fantasia.

      Brejo que tem no hino o retrato de seu viver, é um toque bem fino, o requinte sentir e querer.

      Quando teus filhos contentes se agitam, juventude garrida, teu povo, fazem de ti raio de sol a brilhar de novo.

       FORRÓ DO IPIRANGA

      O centenário terraço na avenida Canal, bairro do Santo Antônio, Campina Grande, teve seus dias de gala. Por lá passaram, dentre tantos, figuras como Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Biliu, Marines e Abdias. O público, simples e fiel, era certeza de finais de semana quentes no frio da rainha da Borborema. As damas, fortemente perfumadas, faziam jus aos sempre boêmios forrozeiros que marcavam presença, impecavelmente, com seus surrados ternos, a cabeça cheia de álcool e pecado, a conduta insistentemente respeitosa, como se seguissem a tradicional forma nordestina de postar-se diante do sexo tanto desejado.

      O forró pé de serra caminhava para fazer história e mistificar-se como ritmo genuinamente paraibano. O trio de artistas e seus instrumentos, a sanfona, o triangulam e a zabumba, era marcadamente empolgante para os amantes das movimentadas noites campinenses. Sempre estavam evidentes as misturas de classes sociais, geralmente muito diversificadas, mesmo quando ricos comerciantes, estudantes, prostitutas e bêbados tornavam o lugar em ambiente de surpresas, ora festivas, ora de grandes confusões, movidas a ignorância e excesso de álcool, fartamente ingerido até o completo repudio da cerimônia e ao bom senso de autocrítica. Ardentemente as emoções se fluíam em abraços, cobiças, brigas e conciliações. Era a originalidade de um ambiente que caminhava para a ocupação de um vago no tempo, onde prostitutas, infelizes e aventureiros, descontentes ou sedentos de nada a fazeres, perseguiam a sorte no dinheiro, diversão e amor.

      No amanhecer dos dias, após as breves e longas noites de festas, viam-se as pessoas deformadas pelo álcool, fumo e pobremente desprovidos desprovidas até das migalhas para locomoção à periferia de vossas vidas, campineiras, quando não, até os sítios onde moravam e cultivavam seus produtos, moeda de troca em noites de fantasia e diversão, resultado da tradição e desejo dos muitos brejeiros em desfrutar, ao menos um pouquinho, algum tempo de sua vida, nas chuvosas noites do planalto da Borborema, Ipiranga em tela do passado, saquarema sem dor e sem lema.

       TERRA E HOMEM

      De madrugada o senhor galo afina o papo e se bota a cantar, dona galinha, a coitadinha, logo pula do poleiro, vai ciscando no terreiro querendo milho catar, o danado do galo, de mentiroso, faz-se que nada quer e vai logo lhe devorar.

      A dona da casa recolhe cinza apagada no fogão, pega a lenha, faz o fogo, joga a água na marmita, chama a filha Carmelita pra cumprir sua obrigação.

      Em pouco tempo o café já está feito, cada qual segue igual pleito, para ganhar o seu pão.

      O dono da casa, seguindo a lida, vai tocando sua vida, do jeito que a vida oferece, do jeito que pede o chão.

      Não é moleza a vida desse povo, que não tem nada de novo, a não ser o sol que nasce, cada dia em sua face, trabalhar é sua missão.

      Os argumentos da família naquele campo é panela de barro preta, enxada, cabo de louro, bota velha, chinelo, chapéu de couro, foice, machado, cabaça e gibão. Tudo isso é de rotina, falta luz, sobra cruz, falta açúcar e sabão.

      Mas quando a chuva vem no jeito, o homem estufa o peito, tem ovos, pato, galinha, guiné, alegria, melão, melancia e fé.

      Pra quem trabalha, sempre acontece, se a natureza não fizesse trato mole e não quisesse com o trato voltar atrás. Pois o Senhor, lá de cima, nos fascina e quer, pra nós, enviar a vossa paz, sei que, na lida da vida, a terra faz o homem e o homem a terra faz!.

       AS TRÊS MARIAS DE MINHA VIDA

      Com vocês nunca estive só, eu e meus encontros pairando em mais de um ser, qualquer uma de vocês me faz entender o sentido de uma doce paixão, mais que companhia.

      Partilhar de um mundo a sós, com vocês a certeza é pura e completa, reflete a mim um enorme prazer.

      Quando um raio de luz me encontra, reflete em mim toda a companhia que me dera vocês; Maria, sempre nos braços teus estou, de quando em quando, contido em abraço no aconchego de vossa alegria.

      Você que entende de tudo! Não sabe se é rotina, se é neblina, de todo o poder saber, a ciência da abelha, o todo que me atenha e advinha, o que há de estranho em meu querer saber ser?

      Sem vocês não há nada, não, não sou nada, sou apenas um arco-íris sem cor, castiçal sem brilho, libertário sem vida, curandeiro com dor, horizonte sem vento, passado sem tempo, nuvem sem sombra, palco sem ator.

      Eu sou só quem espera de vós, agora e outrora, chegar no ir embora e dizer, Maria, Maria, Maria, ó!!!

       RETRATO DO NORDESTE

      Nos anos de muita chuva, respostas o solo dá, mas com a seca, a natureza morrendo só faz chorar, e é difícil ao sertanejo desta seca escapar.

      Quem mora ainda no campo, com esperança que a chuva venha, já esquece o que é comida, nem pra beber água tem, e aguarda o fruto das preces, mandadas ao Senhor do além.

      Se, esperando por Deus, sofre, imagine pelos governantes, que veem e não sentem o caos, nem os calos dos retirantes, pois aqueles só dão patadas, catastróficas e ressonantes.

      Não é de ontem nem de agora que o nordestino é lutador, pois o sistema é a seca, que faz dele um sofredor: já travaram mil batalhas, e o sertanejo é perdedor.

      Norte e Sul são tantas águas, e o Nordeste na sede, seca sem opção, pobre povo desprezado, à fome condenado, cadê a irrigação?

      Inaceitável para o Brasil, país prostrado na miséria, como o vivo morto João, a viva morta Quitéria, sem falar de outros vultos, tais quais a Josélia.

      Se não resolverem logo o problema da seca, não suportará Maria, nem Antônio