Nestor Cobiniano de Melo Neto

Tempo, o ancião recontando a história


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sem pão, não há feijão nem alegria, e, se ela for mais longe, banirá a maioria.

      No Nordeste falta pão para o homem da terra, a fome aqui é tanta, ferindo como serra, tudo quanto parece uma injusta guerra.

      Com o chão assim tão seco, não há lama nem Paulo; juazeiro quando morre, morre até mandacaru, é triste ver o sertanejo, ocando como bambu.

       TABULEIRO SECO

      Tabuleiro seco, criança de pé no chão, chapéu de palha rasgado, lavrador desempregado, no meu sofrido sertão.

      Escola sem infraestrutura, professor ganhando pouco, ruas esburacadas, muitos nas calçadas, sem lida, cruzam as mãos, hospital desassistido, onde o doente é esquecido, no meu sofrido sertão.

      Pouca gente vive bem, muito quer todo alguém, convenha todo de bom, tempo ruim não é progresso, cada vez mais ao passado, o sertanejo massacrado, toma a trilha do regresso.

      Terra rica sem cultivo, mas a gente com que convivo pedir esmola não quer não - selva de sol e poeira, região de pau pereira, é o meu querido sertão.

       O JUAZEIRO NO SERTÃO

      Os retirantes sertanejos amargaram dias tórridos, em anos sem chuva, onde a terra parecia soprar fogo em meio à poeira sufocante e ao sol impiedosamente ardil. Os paus-de-arara eram pontos distantes a chegar, pois estradas eram artigos de luxo em um mundo quase sem movimento, o transporte, quase sempre de pé, a água de beber escassa, os terminais rodoviários, longamente, não passavam de raros pés de juazeiros, em que homens, mulheres e uma penca de crianças, as que sobreviviam à seca, disputavam abrigo em meio a alguns restos de animais, vivos sem vida, e outros, só em carcaças, fruto da fome e das intempéries da natureza, tão desumana e seletiva a um mundo de sofredores.

      É o retrato do Nordeste, dizimando-se em fome, peste e guerra, talhado de corrupção e outras injustiças, que aos olhos do progresso, lastra-se como uma fartada Etiópia, recheada de carnificina humana, em pleno Brasil dos desiguais, igualdades abandonadas pelos doutores da lei e promotores das injustiças, os políticos, nossa eterna e insana, lâmina de horrorosos castigos.

      Só nos basta sonhar em tempo novo, em não ver pais arrastando seus filhos mortos de fome, em vez de conduzindo-os pela mão, mesmo que na simplicidade dos abnegados, a uma escola, onde possam estar em segurança, física e alimentar, sem humilhação, sem uma sentença brutal ou castigo, impiedosamente impostos aos quase sempre desfavorecidos, povos e pessoas deste País.

       CHEGADA DOS PORTUGUESES

      Certa vez levantou-se, do fundo do poço, e alguém te ouviu, um arco-íris de fogo cobriu as montanhas de todo Brasil.

      Os lamentos de um povo ruíram, sem alardes, sem ruas - quem não viu, agora vê: soaram trombetas, e os barulhos das escopetas alguém não ouviu.

      Farão marchando cordões de pessoas que, agora, acordadas, sem os que calados ficarem parados, serão sapateadas por passos que outrora já não são tão à toa.

       NEGROS NAVIOS

      O povo de uma terra distante se foi errante! Fora só consigo, por isso, vários erros do juiz mercante, que ao invés dos seus, penalizava o negro, de maneira errante.

      Daquela terra distante e tão bela, só se viam velas para perseguir, eram tantas velas e as caravelas, pesadas vinham ungir.

      Feito prisioneiros ao fundo de mil cargueiros, vinham cumprir pena, de quê? Aqui.

      Essa terra nossa tão maravilhosa, e para eles nunca hospedeira, ao ver o erro fora à derradeira forçada a desistir.

      Foi dado um grito de alerta, ao mundo daquele povo, que por ser tão novo, andava sem identidade, e foi, na verdade, o mundo do tráfico, do traficado.

      Podes crer, é verdade, África, Brasil, povo quer liberdade.

      Aquele tempo, cruel e sangrento, era um grande tormento a dar fim à alegria de um povo inocente, que canta e dança, e exigia do mundo, do juiz, ainda mercante, sua soberania.

      Nos horizontes o poeta via o negreiro arar o mar, flutuava espumas, produto do arado, sofrido pelo mar.

      Apesar de perverso o oceano chorava em prantos de silêncio e dó, como se em ungido expressasse que estava a cansar.

      No Novo Mundo chegava aquele povo, forçado e sem sentido, e onde quer que esteja o que mais queria era em casa poder estar.

      O Novo Mundo foi cruel, violento e teimoso, os seus milhares de defeitos faziam dele um mundo gagá, ainda hoje, os seus repetidos atos fazem de si, o mundo mais gagá que existe.

       A OCUPAÇÃO

      O século XV foi marcado pela ganância do Velho Mundo, que trouxe grandes transformações para o Novo Mundo.

      O homem europeu pensou alto, faminto, viu ao longe, enxergou a terra e suas riquezas. As riquezas dos povos nativos nas Américas seriam o estopim para o dilaceramento da terra no Velho Mundo, já cansada e morta pela famigerada prosperidade europeia.

      No Brasil, os quase cinco milhões de guerreiros, índios, foram dizimados sob várias formas de extermínio; escravidão, doenças e assassinatos. Era uma briga de leões contra cordeiros. Os bravos sobreviventes desta foram e são os verdadeiros heróis da história.

       A COROA DO CORONEL

      O português, com pouca terra, não dividiu a pequena área da sua nação ibérica, e adotou a reforma agrária na gigantesca e linda América.

      Desde o Brasil colônia, nossas matas são decepadas, nosso ouro é roubado e ninguém liga pra gente, mas este País tem jeito, basta o povo acreditar e governar se rendendo à gente.

      Veio o sete de setembro, com o grito de liberdade, aí faltou à verdade do monarca inconsciente, que nunca ligou pra gente, pois ele traiu o povo, que já passava fome, depois, falado outro nome, era Pedro I, o convincente, que como o outro não ligou mesmo à gente; mas esse País tem jeito, basta o governo renunciar e entregar o poder à gente.

      Depois veio a república, não a tão sonhada, o militar subiu ao trono, do rei já derrotado, e o povo sufocado, já dizia consciente, mas esse País tem jeito, ninguém liga mesmo pra gente.

      Prosseguiu a safadeza nos bastidores do poder, a ditadura foi tirana, demagoga e leviana, o pobre prostrado na cama, do destino um inquilino, chorava ardentemente em desatino, mas tal qual um menino, esse país tem jeito, basta o governo renunciar e entregar o poder à gente.

       E A TERRA FOI ASSIM

      No sertão a coisa é brava. O nordestino em mutirão desbrava a fúria do sol que assola; nada aqui consola, quando o povo pede esmola, falta água e sobra cruz, pobre ignorado, uma elite possante, cruel e inoperante, que não vê o futuro na frente, mas este País tem jeito, basta o povo se revoltar e não ser tratado como indigente.

      As cidades estão se inchando, favelas vão se formando, numa rapidez que é tanto, nelas o que há é pranto, e o grito corrente soa como patente, mas este País tem jeito, lugar nenhum é perfeito, basta o Brasil acordar, de seu povo bem cuidar, pra se ter uma vida digna e um futuro descente.

      Os homens do poder são amigos e unidos, eles têm pra toda vida segredos escondidos, insistem com os conchaves, segredos a mil chaves, atos inconsequentes, pois não ligam mesmo pra gente, mas esse País tem jeito, basta a sociedade repensar, uma meta marcar e querer um futuro diferente.

       NOSSA TERRA

      No sertão ficou assim, tudo é devoção: médico é meio santo, café é frei Damião, a poeira não é encanto, fazer o bem é não ter direito, ser bom é não ser perfeito,