Emma Darcy

Recordações de um amor - Uma amante temporária


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Por outro lado, o que podia esperar?

      – Posso não me recordar de ter estado casada contigo, mas não sou tola. Sei que pareço um espantalho…

      – Estás a recuperar de um acidente que quase te custou a vida. Não podes esperar ter o mesmo aspecto que tinhas antes.

      – Mas o meu cabelo… – Maeve tocou nos patéticos restos do que uma vez fora uma linda cabeleira.

      Quando Dario lhe estendeu uma mão para agarrar a dela, o toque provocou uma espécie de descargas eléctricas num lugar íntimo que a fez fechar as pernas, como uma virgem a defender a sua inocência.

      Felizmente, ele não podia ler os seus pensamentos ou, se podia, não gostou da direcção que tinham tomado porque soltou a sua mão em seguida.

      – Tens um cabelo lindo. Faz-me recordar o amanhecer ou o cetim.

      – Está demasiado curto.

      – Eu gosto de o ver curto… assim vê-se mais a tua cara que, como o resto em ti, é linda.

      Maeve sabia que não era verdade porque, depois de tomar banho, tinha procurado alguma coisa que lhe ficasse bem e ficava-lhe tudo largo. Havia roupa interior em gavetas com tampa de vidro, prateleiras para sapatos. Muitos vestidos, saias e calças, tudo posto em cabides forrados. A julgar pela quantidade de roupa informal, Pantelleria não parecia ser um lugar onde fosse necessário andar demasiado arranjado.

      A qualidade da roupa, no entanto, era inegável. Todos os vestidos eram de marca, com um corte elegante e feitos com tecidos caros. Maeve tinha a moda no sangue e, embora tivesse esquecido tudo o resto, continuava a ter bom olho para o estilo. Que a maioria dos vestidos lhe ficassem grandes poderia ter sido um problema para uma pessoa que não tivesse experiência no mundo da moda, mas quando se tratava de ter bom aspecto, ela estava em terreno familiar. Por isso escolhera um conjunto de roupa interior de algodão e uma túnica cor-de-rosa que caía sobre o seu corpo como a brisa, disfarçando as suas ancas magras.

      Mas, embora isso lhe tivesse dado coragem para tentar sacar informação a Dario, agora que o tinha tão perto começou a retrair-se.

      – Estás a tentar animar-me.

      – Estás tão encantadora como sempre – sorriu. – E não sou o primeiro homem a dizer-te isso.

      – Não, o meu pai também estava sempre a dizer-me a mesma coisa, mas isso é lógico – disse Maeve. – Na verdade, quando era adolescente eu era um patinho feio.

      – Acredito.

      – Ah, sim?

      – Certamente. Se não fosses um patinho feio como é que poderias ter-te transformado num cisne?

      Estava a brincar e, de repente, Maeve também começou a rir.

      Tinha passado tanto tempo desde a última vez que rira alegremente… e o resultado era incrível, como se tivesse aberto uma porta oculta. Pela primeira vez em semanas sentia-se leve e podia rir outra vez.

      – Obrigada por dizeres isso. És muito amável.

      – Tu és demasiado crítica contigo própria – disse ele, acariciando a sua mão. – Porquê, Maeve?

      – Imagino que, estando nós casados, tu saberás a resposta.

      – É possível, mas como estamos a começar de novo… conta-me outra vez.

      Maeve deixou escapar um suspiro.

      – Sempre fui tímida, mas nunca tanto como quando cheguei à adolescência. Sentia-me paralisada quando estava rodeada de gente.

      – Não acontecia com todos nós a essa idade?

      – Suponho que sim, mas a minha adolescência foi pior porque, quando fiz treze anos, os meus pais mandaram-me para uma prestigiada escola privada. No dia em que entrei ali, entrei num mundo diferente e desconhecido para mim… um lugar onde era uma estranha.

      – Não fizeste amigos?

      – Não, a verdade é que não fiz. As adolescentes podem ser muito cruéis. Algumas toleravam-me, outras ignoravam-me por completo e eu compensava isso tornando-me invisível, uma coisa que não é fácil quando se é mais alta que as outras e horrivelmente tímida. Imagino que foi nessa altura que fiquei obcecada por usar o cabelo comprido. Escondia-me atrás do cabelo.

      Maeve tomou outro gole de champanhe enquanto olhava para o mar, recordando aquele tempo tão deprimente.

      – Eu queria ser diferente, mais corajosa, mais decidida, mais interessante. Como as outras raparigas, que pareciam tão seguras de si mesmas. Mas eu era eu, uma rapariga normal, aborrecida. Tirava boas notas, mas socialmente era um desastre.

      – E quando é que isso mudou?

      – Como sabes que mudou?

      – Porque a pessoa que estás a descrever não é a que eu conheço.

      Talvez não por fora e normalmente por dentro também não. Até que alguém começou a mexer cruelmente nessas feridas, fazendo-as sangrar. E então voltou a ser essa menina outra vez, a que não era suficientemente boa, a que não encontrava o seu lugar.

      – O que aconteceu, começaste a ver-te a ti mesma de outra maneira?

      Maeve recordava-se como se tivesse ocorrido na semana anterior.

      – Tudo mudou no dia em que a directora de turma me pediu que subisse ao palco do salão nobre para que todas as alunas olhassem bem para Maeve Montgomery e se fixassem bem nela. Pensando que ia castigar-me por alguma coisa que eu tivesse feito e para disfarçar que estava a tremer, pus-me no centro do palco muito direita e olhei para aquele mar de caras sem pestanejar.

      – E?

      – E o que ela disse foi: quando as pessoas virem uma aluna desta escola a caminhar pela rua ou à espera na paragem do autocarro, é uma pessoa assim que espero que vejam, alguém que não tem necessidade de levantar a voz para chamar a atenção, alguém que se comporta com dignidade. Uma pessoa orgulhosa de usar o nosso uniforme, com a blusa metida dentro da saia, os sapatos brilhantes e o cabelo bem penteado – Maeve parou para olhar para ele. – Para o caso de estares a perguntar-te, isto aconteceu no último ano e, nessa altura, fazia todos os dias uma trança em vez de usar o cabelo na cara.

      – De modo que a rapariga que se via como uma estranha, no final, encontrou o seu lugar.

      – Suponho que sim. Não sei se era exemplo para alguém ou se a directora de turma se apercebeu de que precisava de um empurrão e se essa foi a sua maneira de me ajudar mas, depois desse dia, o resto das alunas passaram a olhar-me de outra forma, com uma espécie de respeito.

      – O que importa, cara, é como tu te vias a ti mesma.

      – Diferente – admitiu ela.

      Nessa noite olhara-se ao espelho, uma coisa que normalmente evitava fazer, e descobriu, não uma adolescente desajeitada de peito plano, mas uma rapariga de pernas longas e curvas suaves, dentes perfeitos e olhos azuis.

      Mas não o disse a Dario porque teria mostrado ser demasiado vaidosa.

      – Nessa altura percebi que devia deixar de ter vergonha de mim mesma e devia enfrentar o mundo com coragem. Era o momento de viver os ideais que os meus pais me tinham inculcado. Por outras palavras, prometi a mim mesma valorizar a honestidade, a lealdade e a decência.

      – Mas as pessoas não costumam cumprir as suas promessas, não te parece?

      Surpreendida pela nota de amargura que havia na sua voz, Maeve respondeu:

      – Não posso falar pelas outras pessoas, mas garanto-te que eu sempre tentei cumprir as minhas.

      Ele olhou para ela, em silêncio, durante alguns segundos, a sua expressão era tão indecifrável como se o seu rosto fosse feito de granito.

      – Se tu o dizes, querida – murmurou depois, o seu tom era tão distante e frio como as estrelas.