a namorada do soldado arrogante com quem discutira. Era óbvio que o outro homem gostaria. A tensão que houvera entre ambos fora óbvia. Embora o soldado fosse, sem dúvida, um imbecil. Se ela fosse a sua mulher, nunca a teria deixado sozinha numa situação perigosa. Por sorte, no entanto, não era a sua mulher.
A jovem tiritou e encolheu-se um pouco mais. Devia ter frio, adivinhou o príncipe. Tal como ele. Tinha frio, fome e sentia os braços e o peito em carne viva por causa da forma como a areia e a chuva o tinham castigado durante a tempestade.
Mais valia que Farah Hajjar não lhe desse problemas de manhã, porque estava de muito mau humor.
Capítulo 5
– Acorda, Zenóbia, está na hora de nos pormos a caminho.
Sonolenta, Farah abriu os olhos. O empurrão que sentira no traseiro procedera do pé do príncipe. Cerrou os dentes quando ouviu que a chamava pelo nome de uma rainha caçadora do império romano. Embora, na verdade, fosse uma caçadora e tencionasse demonstrá-lo.
– Se me devolveres a minha adaga, dar-te-ei o mesmo que Zenóbia deu a Probo.
Enquanto se sentava e esfregava os olhos, percebeu que o seu captor a observava, surpreendido.
– Ah, lamento. Tenho de fingir que sou uma campónia inculta que não sabe tanto como o seu grande príncipe com um curso universitário?
– Dois cursos.
– Oh, desculpa!
– Então, tens estudos?
– Sou autodidata, não graças à educação que a tua família prodigaliza entre os habitantes do seu reino – queixou-se, com desprezo. – Mas, por muito que o teu pai tenha tentado manter-nos incultos, temos mais recursos do que pensas. Sobretudo, quando…
Farah interrompeu-se de repente. Quase lhe contara que alguém do governo andava a distribuir livros e remédios de contrabando entre as tribos do deserto. Se descobrisse, o príncipe tê-lo-ia despedido ou talvez o matasse.
– Quando o quê? – perguntou ele, observando-a.
– Tanto faz. Porque me deste um pontapé?
– Não te dei um pontapé. Foi um empurrãozinho – defendeu-se, num tom sensual. – Na tua fantasia, eu não seria Probo, mas Aureliano.
Aureliano capturara Zenóbia e acabara por se apaixonar. Ela deu um salto diante da sua arrogância.
– Isso era o que querias…
Quando Zachim parou à frente dela, Farah observou as suas botas poeirentas e o modo como as calças de ganga se ajustavam às pernas, compridas e musculadas.
– Raptei-te, não foi?
Incomodada, Farah levantou o olhar com um ar desafiante quando, de repente, algo negro e brilhante se mexeu ao seu lado no chão. Ela gritou e o escorpião escondeu-se num buraco.
– Não te mexas – avisou Zachim, depois de a levantar do chão, segurando pelos braços. Procurou à volta antes de a soltar. – Foi-se embora.
Mas Farah sentiu algo no ombro e voltou a gritar.
– Há mais! Há mais!
– Não, não há nada – tranquilizou-a o príncipe, segurando pelos braços para a acalmar. – É a tua imaginação.
– No meu cabelo! – gritou ela. – Estão no meu cabelo! – repetiu. Era um desses medos irracionais que arrastava desde a infância, desde que a mãe morrera.
Com um suspiro exagerado, o príncipe afastou-lhe as mãos da cabeça e obrigou-a a virar-se.
Os olhos de Zachim procuraram entre as madeixas de cabelo embaraçado, comprido, grosso e cheio de areia. Devagar, verificou que não havia nenhum escorpião.
– Não há nada.
– Sim. Consigo senti-lo… – repetiu ela e, tremendo, virou-se para ele. Tinha os olhos húmidos de lágrimas e o mais puro terror desenhava-se no seu rosto.
Sem conseguir conter-se, ele sentiu o impulso de a proteger e consolar. Afastou-lhe o cabelo da cara e ficou atrás dela para lhe desfazer a trança. Sem se aperceber, surpreendeu-se a observar a pele escura e suave do seu pescoço.
Recordando-se que era a filha do inimigo, tentou ignorar a textura sedosa do cabelo, enquanto o penteava com os dedos. O corpo respondeu imediatamente com outra ereção poderosa. Devia concentrar-se em voltar a casa, não em salvar a inimizade dos escorpiões do deserto.
Com brutalidade, fê-la virar-se.
– Não tens nada.
Olhou para ele com os olhos castanhos e os lábios entreabertos.
O tempo deteve-se enquanto Zachim se imaginava a fazer todo o tipo de coisas àqueles lábios, começando com a boca e acabando com… Sentiu um arrepio.
Bolas, pensou o príncipe, dando um passo atrás.
Farah ficou rígida, enquanto o seu raptor agarrava nas rédeas do Raio de Lua. Tentou afastar o estado letárgico que a invadira quando ele lhe tocara e pousara os olhos na sua boca como se fosse um pêssego maduro e não pudesse esperar para lhe fincar os dentes. Durante um momento tenso, pensara que ia beijá-la. E envergonhava-a admitir que ela o desejara. Como podia sentir-se assim com um homem que devia evitar a todo o custo?
– Precisa de água – indicou ela, olhando para o cavalo.
– Água e comida – admitiu ele. – Mas não penso que possamos encontrar nenhuma dessas coisas entre estes penhascos – acrescentou, dando uma palmada no lombo ao animal. – É um cavalo lindo. Como se chama?
– Raio de Lua.
Uma gargalhada quente ecoou na gruta.
– Devias tê-lo castrado quando lhe deste o nome. Assim, teria sido mais fácil lidar com algo parecido.
– És odioso.
– Quando quiser a tua opinião, pedir-ta-ei – declarou ele, com um ar sério. Depois, entrelaçou os dedos e estendeu-lhe as mãos para a ajudar a montar. – Põe o pé aqui.
– Não tenciono ir contigo! – exclamou ela. «Deve estar louco para pensar que sim, o arrogante e odioso», pensou.
– Está bem – acedeu ele, endireitou-se e montou no Raio de Lua.
Um instante.
– O que estás a fazer?
– Vou-me embora.
– No meu cavalo, não – negou ela, agarrando as rédeas. Não podia deixá-la ali, sem maneira de voltar a casa. – Bolas, porque tiveste de aparecer na minha vida?
– Eu faço-me a mesma pergunta. Agora, monta ou vou deixar-te aqui para que os escorpiões te comam.
Farah quis mandá-lo para o inferno, mas sabia que não podia. Ainda não.
– Desta vez, eu irei atrás – comunicou ela. Não tencionava deixar que cavalgasse com os seus braços a rodeá-la outra vez.
– Não me importo se queres montar de cabeça. Despacha-te.
Era um erro e ela sabia, mas não tinha muitas opções. O príncipe voltara a embrulhar o rosto com o pedaço de tecido que lhe arrancara da túnica e, apesar de estar sujo, tinha um aspeto imponente. No entanto, quando os seus olhares se encontraram, lançou-lhe todo o desprezo que pôde com os olhos.
Com um ar pétreo, ele estendeu-lhe uma mão e montou-a na sela como se pesasse menos do que uma pena.
Infelizmente, montar atrás dele não a fez sentir-se melhor do que ir à frente, porque tinha de se abraçar com força às ancas dele para não cair.
Horas depois, conseguiram chegar a uma aldeia,