a porta da caixa da gata malhada e ela saiu miando com a mesma indiferença. Andava um pouco desajeitada com a perna engessada, mas parecia não estar sentindo dor.
Ambos passearam pelo salão por alguns minutos. Era um espaço confortável com cartazes de temática literária, mesas para os bibliotecários fazerem lanches ou almoçar, uma pequena geladeira, um micro-ondas, e algumas violetas africanas no parapeito da enorme janela que tinha vista para o gramado da frente da biblioteca. Fiz uma rápida pesquisa online para garantir que as plantas eram seguras para os gatos e suspirei aliviada. Depois de farejar e explorar o local, ambos se instalaram sob a luz do sol refletida no chão. Lamberam um ao outro durante vários minutos, se aninharam e por fim adormeceram.
Permaneceram assim até ouvir uma batida na porta. Contive um grinhido. A única pessoa que bateria à porta seria um cliente, não um bibliotecário. E isso era um sinal de que algo podia estar errado. Abri a porta e vi Lisa segurando várias sacolas enormes. Ela aparentemente recrutou algum cliente do sexo masculino para ajudá-la a descarregar o carro, e ele carregava mais sacolas.
– Obrigada! – agradeceu Lisa, sem se virar para encarar o homem. Ela percebeu para as caixas vazias e imediatamente olhou para o raio de sol. – Oh, eles são tão preciosos – sussurrou.
Os gatos ergueram a cabeça como se reconhecessem um elogio ao ouvi-lo. A gata malhada lutou para ficar de pé e cambaleou ronronando em direção a Lisa, que se apressou para que a gata não precisasse andar.
– Ah meu Deus. Este gata é incrível! Depois de tudo que passou, consegue ser tão mansa. Se fosse eu, estaria escondida em um canto em algum lugar.
Sorri para ela enquanto desempacotava as sacolas de compras. Vi que Lisa havia comprado ração de gato seca e úmida, brinquedos, camas e outra caixa sanitária. Quem quer que ela fosse, tinha um bom coração. E, aparentemente, bastante dinheiro.
– Faz algum tempo que meu marido e eu planejamos ir ao abrigo para adotar um gato – disse Lisa, enquanto acariciava a gata malhada. – Mas ainda não fomos até lá. Esta gata parece perfeita. O que sabe a respeito dela?
Balancei a cabeça: – Infelizmente, não tenho muita informação. Sei que o veterinário disse que ela não tem microchips. Outro cliente disse que os gatos pertenciam a uma senhora idosa que faleceu há pouco tempo. A gata foi vacinada, está medicada e deve ficar de repouso por alguns dias. Segundo a veterinária, é provável que seja a mãe do gato laranja.
– Faço questão de reembolsar a biblioteca pelos cuidados médicos. Queria saber se meu marido e eu poderíamos levá-la para casa? – Ela me encarou com um olhar esperançoso, a mãe mandona de antes havia desaparecido.
Hesitei por um minuto. Eu sabia que Wilson queria os gatos fora da biblioteca o mais rápido possível. Lisa parecia ser uma pessoa responsável para cuidar de animais de estimação, na verdade, havia acabado de provar isso. E pensando bem, talvez fosse melhor para a gata se adaptar ao seu lar definitivo, em vez de se acostumar com a biblioteca para depois ser transferido novamente para outro lugar. Além disso, as duas pareciam estar se dando muito bem. A gata estava no céu enquanto Lisa fazia cócegas em seu queixo.
Sorri para ela. – Acho que seria perfeito. E não se preocupe com as despesas médicas, a veterinária não cobrou o atendimento. Preciso apenas que devolva a caixa transportadora na clínica assim que puder. O nome da veterinária está escrito na caixa. E, por favor, leve para casa algumas dessas coisas que comprou para os gatos.
– Obrigada! Como sabe, estou sempre por aqui, então vou lhe mantendo atualizada. E darei a ela um nome literário que honre o tempo que passou na biblioteca.
– Que ótimo!
Wilson enfiou a cabeça pela porta da sala e piscou surpreso para os dois gatos e Lisa, qu ergueu o olhar. – Estou de saída, prometo. E levarei um dos gatos comigo.
– Isso é ótimo – disse Wilson, aliviado. Ele baixou o olhar para o gato laranja esparramado sob um raio de sol e disse: – A nova bibliotecária infantil chegou.
Excelente. – Qual é mesmo o nome dela?
– Luna Macon. Você poderia me fazer um favor e mostrar a biblioteca a ela? Tenho uma reunião e preciso sair agora.
Assenti com a cabeça e Wilson saiu.
Lisa acariciou mais uma vez a gata malhada e se levantou para abrir as persianas que davam privacidade à área de estar, separando-a do resto da biblioteca. – Uau – disse ela, lentamente e sorriu para mim enquanto fechava as persianas.
– Uau? – perguntei. Sempre fiquei impressionada com bibliotecários infantis, mas apenas em relação a desempenharem bem seu trabalho.
– Digamos que tenho a sensação de que a hora da história acaba de ficar um pouco mais legal. Sem ofensa – esclareceu Lisa.
– Não me ofendi – respondi automaticamente. Levantei também e afastei as persianas. Havia uma mulher que eu nunca tinha visto, nem na cidade de Whitby, nem na biblioteca. Ela tinha cabelos com mechas roxas, piercing no nariz e usava esmalte preto. Havia tatuagens aparecendo sob a blusa preta, mas a calça preta era longa o suficiente para cobrir tudo o que pudesse aparecer. Fechei depressas as persianas antes que ela pudesse se virar e me ver. Luna parecia estar trazendo o fator diversão para a Biblioteca Whitby.
– É melhor eu fazer o tour – disse, sorrindo para Lisa. Peguei um pedaço de papel e um lápis e anotei meu nome e telefone. – Se tiver algum problema ou mudar de ideia sobre ficar com a gata malhada, é só me ligar. Aqui está o número do meu celular. Se eu estiver trabalhando, posso demorar alguns minutos para retornar.
Lisa pegou o papel e o colocou no bolso. – Vou mantê-la atualizada, mas tenho certeza que ficaremos com essa coisa fofa.
Saí da sala, respirei fundo e me aproximei da mulher de meia-idade com um sorriso. – Luna Macon? – perguntei.
Ela se virou e me deu o sorriso mais caloroso e genuíno que já vi. Um dente de ouro reluziu. – Sim. Você deve ser Ann. Sinto muito por não ter aparecido hoje pela manhã. Que maneira de começar um trabalho, não?
– Não se preocupe. Acredite, isso acontece. Gostaria que eu lhe mostrasse a biblioteca?
– Adoraria. Não venho aqui desde que era adolescente e já faz um tempo, como pode perceber. – Ela deu uma risada contagiosa e não pude deixar de retribuir.
– Ah, você cresceu aqui? – perguntei, enquanto começávamos a caminhar em direção ao balcão de circulação.
– Sim. Depois me mudei para… a princípio para Nova York, depois para vários outros lugares, e voltei para Nova York. Minha mãe está com a saúde debilitada e é por esse motivo que estou de volta à cidade. E por isso me atrasei hoje de manhã. – Embora ela ainda estivesse sorrindo, pude ver que parecia cansada e estressada.
A primeira impressão que tive foi que talvez ela tivesse ficado acordada até tarde em alguma festa na noite anterior e dormido demais por causa de uma ressaca. Fiquei um pouco envergonhada por ter feito um julgamento precipitado. Apesar de tudo com que ela parecia estar lidando, era calorosa e descontraída. Definitivamente mais do tipo mãe terra. E gentil, pensei ao ver o brilho em seus olhos.
Fiz um tour rápido pela biblioteca e ajudei Luna a se ambientar. – A seção infantil é incrível e muito bem abastecida. Nancy Drew era minha série favorita quando criança e a Biblioteca Whitby tem uma enorme coleção disponível para empréstimo. Os clientes são ótimos. E você nunca ficará entediada. Não houve um dia de trabalho em que eu não tenha sido surpreendida por alguma coisa. – Achei que seria uma boa ideia contar que havia um gato na sala de convivência. – Ontem, por exemplo. Dois meninos vieram correndo pedir ajuda para resgatar dois gatos que estavam presos em um bueiro naquela tempestade.
Pela primeira vez, Luna franziu a testa: – Eles ficaram bem? Os gatos?
Assenti com a cabeça. – Um deles ainda está aqui. Atenção que tem um gato laranja na sala de convivência. Ele parece bem tranquilo apesar de ter quase se afogado e ter sido atendido por uma veterinária