Elizabeth Spann Craig

Empréstimo Mortal


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do encontro às cegas, junto com o choque da descoberta do corpo, me desestabilizou muito mais do que eu imaginava. Trabalhando com o público, eu tinha experiência em lidar com pessoas doentes e me considerava alguém que não era fácil de intimidar. Aparentemente, porém, isso não se estendia à descoberta do corpo do meu suposto pretendente.

      Sentei na calçada enquanto os paramédicos trabalhavam. Vi o ritmo deles diminuir quando perceberam que não se tratava de uma emergência. O tom das vozes era sombrio.

      Um minuto depois, um dos paramédicos voltou para verificar como eu estava.

      – Estou bem – respondi, me sentindo envergonhada. – Fiquei tonta por alguns segundos.

      O paramédico assentiu e voltou para o jardim dos fundos. Os bombeiros foram embora alguns minutos depois e esperei o policial vir falar comigo. Se não me engano, ele era o chefe. Tentei lembrar o que sabia sobre ele, inclusive seu nome. Ele tinha assumido o cargo há apenas um mês e havia se mudado de outro estado para cá, de acordo com uma matéria que li no jornal. Era um homem de meia-idade, alto, robusto, com um olhar firme e calvície nas laterais da testa.

      Lembrei que logo quando se mudou, ele ofereceu um ‘café com um policial’ como uma oportunidade para conhecer os membros da comunidade e descobrir a opinião das pessoas sobre a cidade e questões de segurança. Foi uma jogada inteligente, considerando que cidades pequenas podem ser resistentes a conhecer e aceitar novas pessoas.

      Poucos minutos depois, ele reapareceu, a expressão séria. Ao me ver ainda sentada na calçada, ele se aproximou e se sentou pesadamente ao meu lado.

      – Você está bem? – perguntou, me olhando com preocupação.

      – Sim. Desculpe, fiquei um pouco atordoada por um momento e um dos paramédicos orientou que eu me sentasse. Posso acompanhá-lo até algum outro lugar se precisar falar comigo sobre os detalhes.

      Ele começou a balançar a cabeça e depois olhou para os vizinhos que continuavam nos encarando.

      – Cidades pequenas – falei, deixando escapar uma risadinha.

      Ele assentiu e disse: – Talvez não fosse uma má ideia conversarmos em outro lugar. É meio perturbador ter audiência. Acha que surtariam se a vissem sentada na viatura da polícia?

      – Não, desde que você não me algeme e me peça para sentar no banco de trás.

      Ele riu. – Não há necessidade disso, pelo menos não agora. Os assassinos geralmente não denunciam seus crimes. Embora eu tenha que ficar de olho em você.

      Nos acomodamos na viatura e ele ligou o carro para o ar condicionado funcionar. Ele parecia estar com muito calor depois do esforço de correr para os fundos da casa e o estresse da situação. Ele ligou o ar-condicionado no máximo.

      – Em primeiro lugar – começou ele, estendendo a mão. – Sou Burton Edison, o novo chefe de polícia. Acho que não fomos apresentados.

      – Ann Beckett. Sou bibliotecária – falei, retribuindo o cumprimento.

      Ele acenou com a cabeça e continuou: – Prazer em conhecê-la, Ann. Pode me contar o que aconteceu? E qual a sua ligação com a vítima? – Ele olhou para o bloco. – Um dos bombeiros o identificou como Roger Walton. Essa informação está correta?

      Assenti com a cabeça. – Sim. Pelo menos, presumo que esteja correta. Gostaria de poder lhe dar mais informações. Não conheci Roger. Cheguei cerca de cinco ou seis minutos antes de ligar para a polícia. Fiquei no trabalho a tarde toda antes de ir para casa me arrumar. Eu e uma vizinha, Zelda Smith, conversamos por alguns minutos quando cheguei em casa. – Me apressei em dizer. Caso precisasse de um álibi, pelo menos Zelda poderia ser útil. – Roger era meu encontro às cegas. O encontro foi marcado por sua tia-avó, que é uma das clientes da biblioteca. Roger não respondeu quando bati e toquei a campainha, então dei a volta na lateral da casa.

      Burton grunhiu. – Você provavelmente sentiu o cheiro da grelha, não foi?

      Assenti. Ele era perspicaz. – Isso mesmo. Eu não tinha certeza do que ele havia planejado para o jantar, mas quando senti o cheiro de carvão queimado, dei a volta na lateral da casa, imaginando que ele não conseguia ouvir a campainha. Foi quando o encontrei – expliquei, tentando manter a voz firme.

      Burton fez mais algumas anotações. – Esse deve ser o pior encontro às cegas já registrado – disse ele, erguendo os olhos para demonstrar compaixão.

      Esboçei um sorriso. – Pois é, embora eu tenha ido a alguns tão ruins quanto esse. Minha vida amorosa não tem sido muito gratificante.

      Um carro parou atrás de nós e estacionou na calçada. Uma mulher loira, na casa dos vinte anos desceu, os olhos estreitados de preocupação ao ver a ambulância e o carro da polícia em que Burton e eu estávamos sentados. Ela se aproximou de nós.

      – Posso ajudá-la, senhora? – perguntou Burton, de forma educada ao descer do carro.

      – Sim – disse a mulher, com a voz áspera. – Pode me dizer o que está acontecendo aqui? Por que está cheio de carros de polícia e ambulâncias?

      Burton assentiu e estendeu a mão. – Sou Burton Edison, o novo chefe de polícia de Whitby. Acho que não nos conhecemos.

      – Sou Heather Walton – respondeu a jovem, tirando com impaciência uma mecha de cabelo loiro dos olhos. – Meu irmão mora aqui.

      Burton respirou fundo.

      – Sente-se aqui – falei, saindo do carro da polícia. – Eu não deveria estar monopolizando o assento. – Na verdade, eu só queria sair dali, ainda mais porque um membro da família estava sendo informado sobre uma tragédia.

      Burton pareceu perceber que eu estava me esquivando. – Sria ótimo se você pudesse ficar por perto, Ann. Talvez eu precise de mais algumas informações.

      – Podemos voltar a falar sobre o meu irmão? – perguntou Heather, impaciente.

      – Por acaso você tem uma foto do seu irmão? De Roger? – perguntou Burton.

      Heather suspirou, pegou o celular e começou a rolar a tela antes de mostrar uma foto ao chefe de polícia.

      – Sinto muito ter que lhe dizer isso, mas Roger está morto. Ele foi esfaqueado. – Burton pronunciou as palavras com cuidado, tentando ser o mais claro possível.

      Heather engasgou, cobrindo a boca com uma das mãos.

      Dei alguns passos para trás, tomando cuidado para não me afastar demais, já que Burton fez questão de dizer que queria falar comigo novamente.

      Burton conversou com Heather por alguns minutos enquanto o sol começava a se pôr. Pouco tempo depois, outros carros pararam e descobri que a polícia estadual, a SBI, havia chegado. Imaginei que Whitby fosse uma cidade pequena demais para ter qualquer tipo de departamento forense ou para estar equipada com o mínimo necessário para uma investigação de assassinato. O SBI me fez as mesmas perguntas que Burton.

      Enquanto eu estava sendo interrogada, Heather se aproximou e me deu um sorriso tenso. – Tenho a terrível sensação de que deveria conhecê-la, mas não consigo me lembrar. Você estava namorando Roger?

      Era óbvio que Roger não havia contado sobre o encontro para a irmã, mas nem todos os irmãos trocavam confidências. – Sinto muito pelo seu irmão. Não estávamos namorando, mas tínhamos um primeiro encontro marcado para hoje à noite. É por isso que eu estava aqui. Meu nome é Ann Beckett. Vi você na biblioteca. Trabalho lá.

      Heather assentiu. – Obrigada. É terrível perceber que reconhece alguém, mas não sabe de onde. É claro, eu a conheço da biblioteca. Eu a vejo lá toda semana.

      – Quando se está acostumado a ver alguém apenas em um determinado lugar e essa pessoa não está lá, pode ser difícil identificá-la. – Hesitei e continuei: – Mais uma vez, sinto muito pelo seu irmão. Isto deve ser um choque terrível.

      Lágrimas brotaram dos olhos de Heather e ela limpouo rosto com impaciência. – Desculpe. Roger e eu éramos