o movimento estudantil, então ela abriu o curso de teatro e o coral, sendo nesses espaços que a gente fazia discussão política. Eu era ingênua, porque tinha dezessete anos quando entrei na faculdade (faço aniversário em julho, no final de julho. Então, fiquei um semestre com dezessete anos). Assim, eu era ingênua. Eu vinha da escola pública, do ensino do clássico. E era muito estudiosa, aquele modo de ser colegial.
Apesar de a minha família ter até um certo nível de compreensão, de participação política (porque eu tinha amigos da minha mãe que eram perseguidos políticos, por exemplo um tio na Bahia e a esposa de um amigo dela que também era perseguido político e a quem a minha mãe escondeu) e como eu era jovem, a gente não era muito informado a respeito disso tudo, até porque era perigoso. Então, eu entro na universidade sem saber o que acontecia nesse país. Meu pai falava dos generais, o diabo. Mas assim, sem muita possiblidade de análise ou de compreensão disso. Quando eu entrei na universidade, não se discutia absolutamente nada disso, se discutia Psicologia. A Psicologia era muito fechada (ou eu não escutava, não tinha condições de escutar o que se podia falar, mesmo que disfarçadamente). Eu fui muito infeliz no primeiro ano do meu curso, eu não via a hora de voltar pra casa, eu odiava a PUC, eu achava tudo ruim, eu chorava, eu chegava em casa e chorava. E minha mãe me disse: “Mas não tem lá na universidade um coral, uma coisa pra você entrar? As universidades têm times. E se você jogar alguma coisa?” E eu então vi um dia lá, em 1972, quando estava no terceiro ano, uma placa em que se lia “Coral na Universidade Católica”. E eu fui lá e me inscrevi pra entrar no coral. E não percebi de imediato que o coral era um lugar de trabalho político das lideranças. Lá, eles me convidaram também para o grupo de teatro; eu fui para ambos e adorava. Comecei a adorar a viver na universidade, arranjei amigos, arranjei um marido. O Silvio era do centro acadêmico e era do curso de Pedagogia. Fizemos teatro juntos (ele era desse grupo). E eu tinha muitos amigos, meus amigos até hoje são feitos quase todos na universidade. Mas eu era bastante ingênua, eu tinha dificuldade de compreender do que se falava, então eu fiz um treinamento intensivo para em dois anos estar à frente do grupo que criou o centro acadêmico de Psicologia. Eu fui do grupo que fundou o centro acadêmico de Psicologia da Faculdade de Psicologia da PUC. Mas enfim: essa é que era a minha ingenuidade. Era ingênua porque eu não tinha discussão política acumulada, eu não participava de partido político. Eu só fui entrar em um partido clandestino no meu último ano de universidade. Nesse momento, passeia fazer parte de um partido que se chamava Liga Operária, e que depois vai se tornar a Convergência Socialista e, mais adiante, o PSTU, mas já não faço mais parte dele. E isso mudou a minha vida, mudou a minha vida! Porque eu passei a ser uma aluna cri-cri. Eu não aceitava qualquer coisa que se dissesse, eu achava a Psicologia reacionária, eu achava que a gente não tinha uma perspectiva teórica crítica da Psicologia. Claro, isso eu estou falando com as minhas palavras de hoje. Naturalmente, naquele meio em que isso ia se formando, haviatodo um grupo comigo, que foi me ajudando e, ao mesmo tempo, eu fui buscando uma formação que pudesse me inserir de outro jeito na Psicologia. Então, na altura em que me formei, em 1975-1976, eu já era professora. Aliás, eu já era professora desde 1974, porque me tornei bacharel antes, já reunindo condições para dar aula. E a equipe de Social, onde eu era monitora, me convidou em 1974 para ser professora da equipe de Social na UNIP, que na época chamava Objetivo. É nesse momento que eu viro professora. Quando fui fazer Psicologia, eu não almejava me tornar professora, eu não queria ser professora. Queria ser clínica, qualquer coisa, menos professora. E, como eu era monitora, a oportunidade que me aparece é que a equipe me chama pra ser professora. Fui professora da equipe e assim, depois que tive essa oportunidade, eu me formei e ingressei como professora na PUC de SP, isso em agosto de 1976.
Valéria: Então você começou na UNIP e depois foi pra PUC.
Ana: É, eu comecei na UNIP em 1974, quando fui professora da equipe do que naquela época se chamava Faculdade Objetivo. Depois, emagosto de 1976, virei professora da PUC, momento em que me desligo do Objetivo e viro professora só da PUC. Então você veja que, quando eu comecei a dar aula, em 1974, eu tinha exatamente vinte e dois, vinte e três anos. Eu devo ter começado em agosto... Eu tinha vinte e três anos, eu era muito jovem. Hoje os professores jovens que entram na universidade têm vinte e oito ou vinte e nove anos.
Valéria: É, você entrou uma menina!
Ana: Eu era uma menina! Sim, eu tive dificuldades para dar minha primeira aula. Eu tive dificuldades porque eu cheguei muito cedo, estava muito nervosa. Cheguei muito cedo, sentei em uma cadeirinha lá na UNIP e fiquei. Aí as meninas foram chegando, elas não perceberam a diferença que havia entre mim e elas. E u achando que existia uma diferença, mas que elas não tinham percebido. E aí elas foram conversando sobre as férias, foram conversando, conversando e não percebiam que eu, a professora, já estava lá, porque eu estava sentada nas cadeiras dos alunos. Eu não havia tido coragem de assumir a mesa, então tive que me apresentar como professora.
Mas enfim: entrei na PUC também muito jovem, fiz uma carreira. Nunca tive preguiça de chefiar, de me dedicar a um cargo, sempre aceitei isso. Então, virei chefe de departamento. Depois, houve uma pressão pra gente fazer mestrado e doutorado. Fui fazer meu mestrado com a Silvia e levei doze anos fazendo meu mestrado.
Valéria: Por que doze anos, Ana?
Ana: Porque não tinha pressa nenhuma. Não tinha pressão pra terminar, a CAPES não estava no pé da gente para acabar. Não existia esse tipo de avaliação. Eu me lembro que, quando a PUC pressionou seus professores a fazer mestrado, pós-graduação, já existia uma conversa qualquer de que o curso seria avaliado a partir do número de professores titulados, então a gente vai, se matricula, mas leva doze anos para acabar!
Eu me lembro que, no meio desse período em que desenvolvi minha pesquisa de mestrado, entrei para o Sindicato dos Psicólogos. Em 1979-1980, virei diretora no Sindicato dos Psicólogos, com um conjunto de professores da PUC. Eu fui então para o sindicato e a Silvia falava assim: “Não, agora você dá uma paradinha na sua pós-graduação! Não faça nenhuma disciplina. Venha, nós continuamos aqui a discutir o seu projeto e os textos”. Me lembro que ela estava trazendo aquela perspectiva marxista para pós-graduação e inclusive a gente estudava textos, mas ela dizia: “Não precisava cuidar da sua dissertação, você fica lá no sindicato... Eu acho que é muito importante isso que você está fazendo!”.
Então, eu levei doze anos para concluir o mestrado. E isso se não fosse a Mary Jane Spink ter assumido a coordenação da pós-graduação e ter dito “vamos parar com essa brincadeira, porque a Capes vai cortar as nossas bolsas”, exigindo que a gente se titulasse. Éramos eu, o Odair Furtado, a Junqueira, a Graça Gonçalves, um conjunto de professores de Psicologia Social, que estávamos nesse processo. A gente teve que correr, mas eu devo ter me matriculado em 1978 e me titulado, acho, só em 1990, se não me engano. Em seguida, me matriculei no doutorado e em 1997 eu sou doutora em Psicologia, mas em quatro anos. Então nós terminamos (na verdade, acho que eu me matriculei um pouquinho mais tarde... Caso seja preciso olhar as datas corretamente, a gente confere os documentos). Como aluna, eu tinha um pé no curso e um pé no centro acadêmico. Como profissional, ou seja, como professora, eu tinha um pé na docência do ensino superior e um pé no trabalho sindical, que depois vira conselho. Nessa trajetória, eu chego até o Conselho Federal. Na realidade, eu pulo: do Sindicato eu vou pra FENAPSI, que é a Federação Nacional dos Psicólogos, da qual eu fui a primeira presidente, e depois eu passo um tempo distante, terminando –(provavelmente) meu doutorado e aí sim eu entro no Conselho Federal. É nesse momento, e então, que eu venho para o Conselho Regional, volto para o Conselho Federal e me desligo para cuidar, com meus amigos, do Instituto Silvia Lane, que idealmente era pra ser uma coisa muito maior e de que a gente não dá conta, por conta de nossos trabalhos paralelos. Mas enfim, vamos levando.
A minha formação, em síntese, envolve toda uma mistura uma mistura que tem uma história. Naquele momento e naquele contexto, que empurraram meu curso para um lado progressista –por conta da Igreja, por conta da junção com o Sedes Sapientiae, por conta de um pensamento progressista que influenciava fortemente as universidades (em especial aquelas que já tivessem um terreno fértil para tanto, como a PUC)–, naquele momento e naquele contexto, enfim, eu também participei do