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Formar-se en psicología


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o que eu fazia. E tudo isso ia se juntando. Depois, no último ano, houve a participação em um partido político, e tudo isso se juntava sob o guarda-chuva da Psicologia. Eu acho que em momento nenhum eu abandonei a ideia de que eu fazia Psicologia. Só que não era aquela Psicologia que era majoritária e hegemônica a que eu queria fazer, eu tinha críticas a ela. Lógico, a esquerda dirá logo: “desvio burguês”. Falo dessa perspectiva burguesa, elitista, segundo a qual a gente chegava na sala de aula e o professor dizia: “Olha, isso é burguês, isso é elitista”. Mas tive professores como a Maria Nildes Mascelanio, que convidava pessoas como o Florestan Fernandes pra dar aula pra gente, Paulo Freire, e aquelas pessoas todas estavam na PUC. Então, havia no curso de Psicologia uma influência de professores mais da esquerda, bem como uma tendência progressista forte, mas a Psicologia hegemônica também estava lá e me incomodava. Não só a mim, aliás: essa presença incomodava a todos aqueles que faziam movimento político. Mesmo que fosse bom, a gente tinha que dizer que era elitista. E isso, então, me levou ao sindicato, me levou a um mestrado sobre a minha profissão, me levou a um doutorado sobre a minha profissão. Por isso tudo, acho que, de certo ponto de vista, eu estive sempre com a Psicologia, insatisfeita com ela, brigando com ela, dizendo: “você não é bonita, não gosto de você assim”, mas com o desafio de estar com ela e poder ajudar a transformá-la.

      Valéria: Ana, você tem um texto (na verdade, um livro), que é o Aventuras do Barão de Münchhausen na Psicologia, no qual você já começava a fazer uma crítica a um tipo de Psicologia. Eu acho que esse livro me marca muito, porque nele você começa a falar de um tipo de Psicologia que começa a questionar que espécie de Psicologia nós temos, perspectiva que se ajusta perfeitamente ao percurso acadêmico que você acabou de recuperar nessa nossa conversa. Você sente isso?

      Ana: Sinto sim. Você sabe que a minha dissertação de mestrado foi sobre a Psicologia, com a Silvia Lane. E a minha questão era o que os psicólogos pensam, o que eles fazem, motivo pelo qual entrevistei pessoas de reconhecimento na profissão, que tinham que ter publicação, um nome reconhecido, profissionais que seriam imediatamente reconhecidos pelas pessoas que viessem a ler aquelas entrevistas. Fiz um trabalho em que eu tinha um incômodo, porque comecei a perceber problemas entre os meus entrevistados. E aí eu dizia pra Silvia: “Eu sou parte disso. Eu não quero a arrogância de dizer assim: essa gente pensa que...” Que era um pouco a arrogância que a esquerda nos dava, né?

      E a Silvia lidou bem com isso, e no fim das contas a minha dissertação de mestrado se intitula Estudando a psicologia: eu caçador de mim, que era o jeito com que eu me sentia à vontade para dizer aos colegas entrevistados por mim que eu também era objeto daquela crítica, isto é, que eu era a crítica, mas era também a criticada. E eu termino a minha dissertação dizendo assim: “Silvia, eu acho que os psicólogos não sabem o que é um fenômeno psicológico, eu acho que o problema está na concepção de problema psicológico”. E é isso que me levou ao Barão de Münchhausen porque eu fiz um questionário, mil questionários com o apoio do Conselho Regional de Psicologia (na época presidido, eu acho, pelo Adair Sás, que me acolheu), mandei mil questionários, o conselho me ajudou, a gente fez um sorteio aleatório... e eu recebi quarenta e quatro questionários de volta. E era um questionário que dizia assim: “O que é pra você um fenômeno psicológico?”; “Como você acha que esse fenômeno se constitui?”; “No seu trabalho, como você acha que ele está presente?”; “E o que você acha de saúde, do ponto de vista da Psicologia?”. E veja: eram apenas quatro perguntas! Alguns desses quarenta e quatro vêm respondidos, mas eu recebi mais uns vinte, talvez, em que as pessoas diziam assim: “Desejo pra você um bom trabalho, mas eu não soube responder ao seu questionário”. Era difícil aquilo... Aquilo ali foi comprovando que falar do fenômeno psicológico era uma coisa difícil. A Silvia, então, me disse assim: “É, mas quarenta e quatro questionários é pouco. Você tem que procurar uma outra fonte.” Aí eu fui atrás dos jornais, da revista Ciência e Profissão, e também dos jornais do sindicato. Peguei os jornais da FENAPSI, a revista Ciência e Profissão e fiz um estudo. A partir de então, fui percebendo, naquele estudo, que nós vivíamos então uma mudança de palavras, de discurso, sobre a Psicologia. Era interessante, porque era a ideia de comportamento, de controles, quando começam a aparecer a alienação, a consciência. Começava a aparecer um outro palavreado que me indicava a vontade de pensar o fenômeno psicológico de uma forma diversa. A seguir, fiz um contraponto da perspectiva liberal com a perspectiva que, na época, eu chamei de sócio-histórica. E eu acho que a experiência de ter feito o trabalho do Barão foi excelente, pois a Psicologia Social, com a Silvia Lane e com o grupo de pesquisa dela, era uma coisa que a gente nunca produzia sozinho. A Silvia fazia questão absoluta de ter grupos. Até hoje, na Psicologia Social lá na PUC, funcionam os chamados núcleos, grupos de pesquisa... Não tenho certeza do nome deles, acho que são núcleos de pesquisa. Neles, a gente tinha reunião semanal com todos os orientandos da Silvia Lane. E aquilo era um lugar muito interessante, porque eu tinha incômodos, eu tinha questionamentos, e aquele grupo ajudava a dar espaço para pensar isso. E eu acho que a partir dali (mas não que tenha surgido só a partir dali) surgiu em vários lugares o que a gente pode conceber como um embrião do que viria a ser a Psicologia do Compromisso Social, porque naquele espaço havia um questionamento sobre a formação, um questionamento sobre a visão liberal diante do fenômeno psicológico. Enfim, eu acho que o Barão do meu doutorado é realmente um salto, um amadurecimento importante no meu pensamento, na minha reflexão, no meu trabalho como professora, algo que vai se espalhar para outros colegas do curso de Psicologia. Eu já tinha me tornada diretora e aquilo que me deu um amadurecimento muito grande, ter que coordenar um curso com mil alunos, com grupos antagônicos, que disputavam espaço... Era um desafio fazer aquilo virar um espaço produtivo e de diálogo, aberto a perspectivas diversas. Eu me lembro que, na minha gestão, nós tínhamos um problema com uma cadeira que se chamava TPP, Teorias e Técnicas Psicoterápicas. Era um problema porque nós tínhamos psicanalistas, junguianos, fenomenólogos, psicodramatistas, behavioristas, toda aquela diversidade, enfim, e todo mundo queria a cadeira de TPP. Então, eu fiz uma reunião com todos os interessados e falei assim: “Não, gente, vamos dividir. Por que não ter mais do que um professor?...”. E eles concordaram. Daí resultou um formato que eu acho que vigora até hoje: as turmas têm quatro núcleos, dois no primeiro semestre, e dois no segundo. Um módulo é ministrado por um professor psicanalista, um módulo por um behaviorista, outro módulo por um fenomenólogo, e assim por diante. E é curioso porque a equipe se uniu. Assim, acho que meu desafio passava muito mesmo pela diversidade, porque eu não era bem vista, já eu vinha da Social e diziam que eu queria acabar com a clínica. Quem tinha sido colega meu no curso de Psicologia sabia que eu tinha aquela radicalidade contra o burguês elitista. Mas acho, enfim, que o Barão foi uma experiência bastante importante de reflexão, que ajudou nessa incursão no projeto do Compromisso Social. Depois, Marcos Vinícius, quando foi fazer o doutorado dele, disse pra mim: “Ana Bock, eu vou criticar o seu Barão”. Ué, criticar o meu Barão? Ele disse: “É, sabe o que acontece no seu trabalho? Você naturalizou a Psicologia, você fez um trabalho bárbaro, mas na hora em que você constata a existência da Psicologia, fazendo um trabalho bem interessante, você não questionou a existência dela. Então, eu vou fazer um trabalho no meu doutorado que é exatamente a instalação histórica no Brasil”. E ele fez, de fato, um trabalho muito interessante.

      Valéria: E como você vê hoje, então, a formação em Psicologia?

      Ana: Olha, eu acho que o movimento das diretrizes curriculares desencadeado por nós naquela época, foi um momento bastante importante. Eu diria que essa minha avaliação de que ele foi muito interessante se explica porque esse movimento aglutinou, trouxe para dentro do debate, não só professores da USP, da UNB, da UERJ, da PUC-SP, da PUC-MG. Ele trouxe aquele conjunto de professores e de coordenadores de curso que estavam aqui nas chamadas entidades de pesquisa, que iam se constituindo, multiplicando, e que tinham uma perspectiva mercadológica, mas cujos coordenadores eram os próprios alunos da PUC, da USP, da UERJ. Então, havia um interesse em produzir um curso progressista e aquele fórum foi uma coisa maravilhosa. Eu sempre brinco que, graças à professora Carolina Bori, se formava uma força, porque para combater as ideias da professora Carolina, que tinha um projeto diferente do nosso, tivemos que formar uma força, porque ela era