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Formar-se en psicología


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tem cursos lá na conchichina, no interior de não sei qual estado, que tem um curso de Psicologia com um pingo de aluno, mas que tem uma disciplina de Direitos Humanos. A ideia do Compromisso Social agora está presente em todos os cursos de Psicologia. Eles arrumam como tema da semana, eles arrumam como tema do congresso que vai acontecer, eles põem como tema de uma feira de trabalho... Enfim, eu acho que houve a possiblidade de avançar, de construir. Eu só considero que a gente avança efetivamente quando um conjunto grande, diversificado, é capaz de avançar junto. Sem anular as diversidades, sem anular as diferenças, mas a gente tem que avançar. Se não você não avançou, não produziu uma liderança. E eu acho que nós avançamos naquele momento das diretrizes curriculares, a gente avançou bastante, aglutinando, porque a gente tinha que fazer aqueles enormes fóruns... Em qualquer congresso que fosse ocorrer, a gente produzia lá uma mesa sobre as diretrizes curriculares. A gente passou a fazer pesquisa sobre isso. E eu acho que, com as diretrizes curriculares, houve um avanço geral na Psicologia. No entanto, eu às vezes tenho uma sensação de que esse momento está passando, de que a gente tem tido dificuldades para dar continuidade ao nosso avanço, sobretudo agora que passamos por um momento muito desavergonhado de expressão do pensamento conservador. Se você prestar atenção, nós já aprovamos a Lei Paulo Delgado, nós estamos em plena superação dos manicômios e ainda há professores, aqui na PUC, por exemplo, professores de Psicopatologia, por exemplo, que são médicos e que não têm nenhum prurido de dizer que são manicomiais.

      Valéria: É, eu acho que a gente tem vivido essa onda bem mais conservadora... Em vista disso, até que é possível nos expressarmos e falarmos a respeito da diferença? Isso tem sido algo preocupante, não?

      Ana: Sim, eu às vezes penso que o pensamento progressista está acanhado porque o outro vem com muita força. Voltou esse pensamento de que você faz política, e não Psicologia. E o pensamento mais conservador não tem mais vergonha de se expressar. Ontem mesmo eu estava em uma aula no curso de Psicologia Social com meus alunos do segundo ano e eles disseram assim: “A gente adorou!”; “Ah, que bom! Do que vocês mais gostaram? Por que gostaram?”; “Ah, porque aqui a gente fala da vida real do país”; “Como assim, gente?” “É, nas outras disciplinas a gente não fala. A gente analisa os sujeitos, a subjetividade, a dinâmica psíquica, mas ninguém toca na ideia de que a gente vive em um país que sofreu um golpe. Ninguém fala da juventude, ninguém fala do preconceito racial, ninguém fala do aluno do ProUni. E vocês, professores de Social, trazem isso”. Aqui a gente discute um tema, a gente elege um tema. No primeiro semestre, o tema é preconceito racial e, no segundo, a questão urbana (que é muito interessante, porque eles se dão conta de que vivem em uma cidade sobre a qual nunca pensaram em termos de mobilidade, trabalho e habitação. E a gente toma isso como um fenômeno da psicologia social pra estudar). Então, ao mesmo tempo que é muito bom o professor ouvir isso, de que ele é um professor que traz a realidade, é triste, porque eles estão me dizendo que eu sou a única professora que põe a realidade dentro da sala de aula!

      Valéria: Então, você toca em um ponto que me chama bastante a atenção nossos colegas não têm se ocupado de discussões críticas a propósito da Psicologia e do próprio mundo.

      Ana: É isso mesmo... Sabe, no Instituto Silvia Lane, junto com a PUC, nós estamos fazendo um esforço pra divulgar a ideia do pensamento crítico, porque nós fomos sempre muito identificados como sócio-históricos, até por causa da Silvia. Mas o Instituto não é exclusivamente formado de sócio-históricos, pois também abre espaço para psicanalistas e behavioristas, de modo que a gente tem feito um esforço para divulgar esta ideia de que é preciso construir uma Psicologia crítica, seja em que abordagem for. O que é uma Psicologia crítica? É uma Psicologia que vincula a sua construção teórica com a realidade em que ela se insere, uma Psicologia que não simplifica as explicações, pois analisa os fenômenos como multideterminados, segundo uma perspectiva de historicidade, uma perspectiva metodológica e epistemologicamente fundante. Então, essa ideia a propósito do que a gente precisa produzir hoje, por incrível que pareça, surgiu alguns anos atrás, de forma corajosa. Hoje ela está tímida, porque o outro lado resolveu dizer assim: “Não, não, pera aí que esse espaço também é meu!”. E não tem nenhuma vergonha de estar lá, de divulgar suas ideias entre os alunos. Há professores lá na PUC que falam assim: “Não, esse negócio sócio-histórico é bobagem. Esse negócio de Psicologia com compromisso com a realidade... Psicologia é uma só, a gente tem o fenômeno psicológico que é um fenômeno que a gente tem que estudar, pesquisar, mas ele independe das condições sociais”. Ao dizer isso para os alunos, eles passam uma ideia naturalizadora do fenômeno psicológico. E isso é inimigo do pensamento político, né? Eu acho que a gente vem vivendo isso... Interessante como o mundo, a exemplo de uma gangorra, sobe e desce. Porque, depois das diretrizes era de se imaginar, que não haveria volta. Mas houve. Houve volta. Eu acho que hoje nós temos espaços bastante conservadores dentro dos cursos. Acho que a maioria da categoria profissional ainda é uma maioria conservadora. Uma maioria conservadora que não está preocupada com as questões sociais e que aplica o modelito padronizado da Psicologia na população pobre!

      E é interessante: outro dia mesmo uma menina apresentava um trabalho em sala de aula, e ela disse assim: “Então, mas acontece que a população, a moça que a gente entrevistou, uma pessoa pobre e com pouca escolarização, ela não entendia o que a gente falava, ela não tinha repertório pra responder à nossa pergunta. E aí a gente ficou duvidando, talvez fosse melhor entrevistar uma outra pessoa.” Eu e a Graça, que damos aula juntas, falamos assim “Não, tem que mudar o seu instrumento! Porque se você está querendo falar da pobreza, você tem que ter um modo de falar. Não é possível supor que a pessoa não está entendendo o que você fala e que, portanto, você não pode entrevistá-las”. Foi interessante a discussão, porque os alunos se deram conta disso, eles achavam que a população é que está errada.

      Valéria: Ana, vamos para um outro ponto sobre o qual eu queria te ouvir um pouco. Como é que você tem percebido a formação em psicologia?

      Ana: Então, eu acho que nós temos ainda uma Psicologia hegemonicamente bem conservadora, naturalizante, que naturaliza o fenômeno que ela estuda. Acho que nós vivemos um período histórico que diz assim: “Cada um pode ter a ideia que quiser e vocês têm que aprender a conviver”. Não é uma convivência dialogante, esse é o grande problema. “Temos que ter diversidade: tem pensamento que é progressista, pensamento que é mais conservador”. Gente, pelo amor de Deus, é isso aí! Agora, não incentivar o diálogo entre essas perspectivas é muito ruim. Antes, então, a gente fazia na PUC, por exemplo, um debate sobre como cada uma das perspectivas teóricas explica um determinado fenômeno. Eu me lembro até que eu participei de um que era a inveja. Me pediram para explicar a inveja ora sob a perspectiva sócio-histórica, a um outro sob a fenomenológica e a um terceiro sob a behaviorista. Hoje em dia você tem mesas só de fenomenologia, só de sócio-histórica. Então nós estamos nos fechando de novo nas casinhas, regredindo a uma época em que fazíamos isso para nos defender. Agora, entendemos que cada um pode ser o que quiser. Desse modo, você oferece essa diversidade e o aluno que se vire, o aluno que escolha. E isso é uma condição da perspectiva universitária, que é a da convivência, da diversidade, do diálogo. Eu tenho um amigo no Sul, em Santa Catarina, na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que diz assim: “A universidade é o único lugar onde você não deveria pedir desculpas por discordar, porque você tem a obrigação de discordar. Em qualquer outro lugar você tem que dizer ‘desculpa, mas eu não penso assim’, mas na universidade não”. Só que nós estamos acanhados e estamos pedindo desculpas por discordar, ou pior: não estamos nem explicitando a discordância. Está bom, você pensa assim e pronto! Isso é muito ruim para a formação. Eu diria, no entanto, que a formação em Psicologia hoje tem sorte. Ela tem uma juventude que não fica quieta, que tem informação. Você entra na sala de aula como Ana Bock, um aluno levanta a mão e diz assim: “Professora, você presidiu o Conselho Federal de Psicologia. Poderia falar um pouco sobre isso?”. “Onde você está vendo isso? “ “Não, eu estou vendo isso aqui em uma notícia”. Quer dizer, ele já entrou no Google e já fez uma pesquisa sobre a Ana Bock, que é a professora dele, para saber quem é que ela é, o que ela escreveu etc. Claro, eles lidam